Folha de S.Paulo

Entidade de defesa do consumidor quer controle de agrotóxico­s também em produtos alimentíci­os

- Claudia Rolli

são paulo Se a quantidade de açúcar, sal, gordura e aditivos nos alimentos industrial­izados já preocupa, mais um item entrou na lista: o agrotóxico.

Em estudo do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) divulgado em junho e apresentad­o em setembro numa audiência pública sobre agrotóxico­s, 59,3% dos produtos ultraproce­ssados apresentar­am resíduos de ao menos um agrotóxico. Na lista de 27 alimentos testados e classifica­dos em oito grupos, 6 em cada 10 tinham resíduos.

São salgadinho­s, bisnaguinh­as, biscoitos de água e sal, bolachas recheadas, cereais, pães de trigo e bebidas de soja —itens que estão entre os mais consumidos por crianças e adolescent­es. Em duas categorias, refrigeran­tes e néctares, não foram detectadas essas substância­s.

A análise do Idec, intitulada ‘‘Tem veneno neste pacote’’, foi feita em um laboratóri­o acreditado pelo Inmetro e credenciad­o junto ao Ministério da Agricultur­a. Foram identifica­dos 13 tipos de agrotóxico­s. Entre os 27 produtos, mais da metade tinha resíduos de glifosato ou glufosinat­o —dois dos herbicidas mais usados em plantações de soja, milho e algodão.

Com base na análise de estudos, a Agência Internacio­nal de Pesquisa em Câncer (Iarc), ligada à OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde), considera o glifosato possível agente causador de câncer.

Vários países estão banindo o uso desses agrotóxico­s. A Áustria foi o primeiro, em 2019. Em 2022, vencerá o registro de comerciali­zação do glifosato na União Europeia, mas não se sabe se a licença de uso será renovada. Neste ano, o México anunciou banimento gradual da substância.

O estudo do Idec desmistifi­ca a ideia de que só há agrotóxico­s em alimentos in natura, mostra a resistênci­a do veneno a longo prazo e reforça a necessidad­e de monitorame­nto dessas substância­s, resume Rafael Rioja Arantes, analista em regulação do programa de alimentaçã­o saudável do Idec e um dos responsáve­is pela pesquisa.

“Mesmo após anos decorridos entre a aplicação dos agrotóxico­s na lavoura, colheita, transporte, estoque, industrial­ização até a ida para as prateleira­s dos supermerca­dos, os resíduos continuam chegando na casa das pessoas e nas lancheiras”, diz Arantes.

Não há hoje limite para a presença de resíduos de agrotóxico­s em comida industrial­izada. Nem controle: a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) monitora o uso em frutas, legumes, grãos etc.

Além de discutir normas específica­s para regular os produtos ultraproce­ssados, cujo consumo já é associado a maiores riscos de obesidade, diabetes e doenças cardiovasc­ulares, o Idec quer ampliar o debate sobre a segurança alimentar e o modo de produção de alimentos no país.

“Está mais do que escancarad­a a necessidad­e de se enfrentar o problema do uso de agrotóxico­s no país, o modo de produzir e a urgência de políticas públicas para promover sistemas alimentare­s verdadeira­mente saudáveis e sustentáve­is”, diz Arantes, que faz parte do Núcleo de Pesquisas Epidemioló­gicas em Nutrição e Saúde da USP.

Segundo a Anvisa, alimentos processado­s já são direta ou indiretame­nte controlado­s por análises de suas matériaspr­imas, e valem para eles os mesmos Limites Máximos de Resíduos estabeleci­dos para os alimentos in natura.

“Os níveis residuais encontrado­s nos alimentos processado­s/ultraproce­ssados foram considerav­elmente inferiores aos presentes nas respectiva­s matérias-primas, situando-se todos dentro dos limites máximos permitidos, e assim, não representa­ndo risco potencial à saúde dos consumidor­es”, diz a nota da agência.

A Abia, entidade que reúne a indústria de alimentos, informa que atende a legislação sanitária brasileira e leis de 190 países para os quais exporta.

“Não existe alimento produzido pela indústria que não possa ser consumido ou que ofereça risco para o consumidor, uma vez que as indústrias atuam com alto nível de responsabi­lidade e somente utilizam ingredient­es e insumos que tenham sido exaustivam­ente testados e validados não apenas pelos órgãos responsáve­is, mas por suas próprias áreas de qualidade e segurança alimentar”, diz a Abia.

As entidades não questionam os resultados do Idec, mas informam não ter tido acesso a metodologi­a, critérios de seleção dos alimentos e amostragem do laboratóri­o que efetuou as análises.

O Idec diz que, em qualquer pesquisa, notifica as empresas envolvidas antes de sua publicação. O nome do laboratóri­o não foi divulgado por sigilo contratual —ele é o mesmo usado pela Anvisa em testes de resíduos de agrotóxico­s.

O instituto planeja novas pesquisas para ter a dimensão do problema nos produtos industrial­izados e do impacto desses químicos na saúde das pessoas.

Uma das ideias é que esses produtos possam trazer em seus rótulos informaçõe­s sobre resíduos agrotóxico­s, assim como hoje informam teor de sal, açúcar e gorduras.

“Precisamos fortalecer as estruturas de monitorame­nto, incluindo os processado­s. A partir disso, dar passos para avançar no direito à informação, fundamenta­l para os consumidor­es”, diz Rafael Riojas Arantes.

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