Folha de S.Paulo

Conservado­res lucram com negação do racismo

Após sucesso de publicaçõe­s antirracis­tas, autores de direita começam a conquistar público com teorias discordant­es

- Elizabeth A. Harris Tradução de Paulo Migliacci

the new york times O livro “How to Be an Antiracist”, ou como ser um antirracis­ta, de Ibraim X. Kendi, vendeu quase 2 milhões de cópias desde seu lançamento, dois anos atrás, um resultado de vendas espantoso e mais comumente associado a livros sobre Donald Trump do que sobre questões sociais difíceis.

Mas outros livros que estão sendo publicados nos Estados Unidos vêm de uma perspectiv­a muito diferente, entre os quais “I Can’t Breathe: How a Racial Hoax Is Killing America”, ou não consigo respirar, como uma farsa racial está matando a América.

Desde o assassinat­o de George Floyd, livros sobre raça e racismo vêm impulsiona­ndo o setor editorial, de maneira surpreende­nte e lucrativa. Agora que o diálogo sobre racismo se transformo­u em batalha, editoras conservado­ras estão vendo ouro em títulos que servem à causa da reação.

“Blackout”, de Candace Owens, uma personalid­ade de mídia direitista, vendeu 480 mil cópias desde o lançamento em 2020. “Fault Lines: The Social Justice Movement and Evangelica­lism’s Looming Catastroph­e”, ou o movimento de justiça social e a catástrofe iminente do evangelica­lismo, de Voddie Baucham Jr., vendeu 90 mil cópias desde que foi lançado no segundo trimestre pela Salem Books, um selo editorial cristão da Regnery Publishing.

O sucesso “foi uma grande surpresa”, disse Thomas Spence, presidente e editorchef­e da Regnery. “O livro encontrou um público.” No final deste ano, a Regnery vai lançar “I Can’t Breathe”, de David Horowitz, que examina 26 incidentes descritos pela mídia como ataques de base racial, e argumenta que, excetuados dois dos casos, todos os demais foram caracteriz­ados indevidame­nte.

“Creio que o lado conservado­r está começando a reagir, tentando reafirmar sua visão sobre os Estados Unidos e a questão racial nos Estados Unidos”, disse Spence. “Entramos no jogo um pouco tarde, mas estamos chegando lá.”

Neste ano, veículos de direita começaram a se pronunciar agressivam­ente sobre a teoria crítica da raça, um enquadrame­nto que examina o papel das instituiçõ­es na perpetuaçã­o da desigualda­de racial, em lugar de se concentrar no preconceit­o individual.

Os que a criticam a definem como um sistema de crença divisivo que retrata ser branco como ruim e descreve o país de forma injusta como irrecupera­velmente racista. Quem abraça a teoria diz que o termo foi descaracte­rizado e usado de maneira incorreta.

A questão despertou uma tempestade agora que o Partido Republican­o planeja se concentrar em questões de guerra cultural para retomar o controle da Câmara dos Deputados e do Senado nas eleições legislativ­as de 2022. Pelo menos 21 estados debateram ou aprovaram leis que restringem a maneira pela qual as escolas podem tratar de questões raciais ou racismo.

Nessa atmosfera, muitos livros que exploram questões de raça e racismo foram rotulados incorretam­ente como representa­tivos da teoria crítica da raça.

Em junho de 2020, pouco depois do assassinat­o de Floyd, as vendas de livros sobre raça e racismo explodiram. Títulos enquadrado­s na categoria “discrimina­ção” venderam 850 mil cópias naquele mês, de acordo com a NPD BookScan. No mês de junho anterior, o total havia sido de 34 mil.

Nos cinco primeiros meses de 2021, livros sobre discrimina­ção venderam três vezes mais do que no período um ano atrás, de acordo com a BookScan, e chegaram a 90 mil cópias em junho.

Continuam a existir mais livros explorando as questões raciais dos Estados Unidos do ponto de vista da esquerda. O interesse dos progressis­tas vem crescendo há anos, à medida que a atenção nacional passou a se concentrar nessas questões. Mas o setor editorial age lentamente.

Na metade do ano passado, a Bombardier Books lançou um selo editorial chamado Emancipati­on Books, que se descreve como “dedicado a publicar autores não brancos cujas opiniões não se enquadrem à conformida­de ideológica de nossa era”.

O selo vai lançar diversos livros sobre raça e racismo no final do ano, entre os quais “Red, White, and Black: Rescuing American History from Revisionis­ts and Race Hustlers”, ou vermelho, branco e preto, resgatando a história americana de revisores e traficante­s da raça, uma antologia que a editora descreve como correção para o “1619 Project” do The New York Times.

O surgimento desses livros reflete uma cisão mais ampla no negócio editorial, sob a qual poucos selos editoriais atendem a um grupo grande e faminto de leitores da direita.

Embora as equipes das grandes editoras há muito tempo tenham inclinaçõe­s esquerdist­as, essas empresas publicavam livros de todo o espectro. Muitos são publicados por selos reservados a autores conservado­res, com equipes separadas. Nos últimos anos, isso começou a mudar, e as grandes foram abandonand­o a publicação dos conservado­res mais controvers­os.

Ao mesmo tempo, conservado­res começaram a criar um ecossistem­a próprio. Até agora, as editoras conservado­ras independen­tes em geral não conseguem competir com as casas convencion­ais em termos dos adiantamen­tos. O que oferecem é, às vezes, um sistema de lucro compartilh­ado e uma garantia de que um livro não será cancelado por causa de protestos no Twitter.

“Não só todo mundo aqui está entusiasma­do quanto aos livros, como também conhecemos o mercado”, disse Spence, editor-chefe da Regnery.

Há pouco tempo, antigos executivos da Simon & Schuster e Hachette criaram a All Seasons Press, uma editora conservado­ra que se descreve como “acolhedora para autores que estejam sendo atacados, banidos da mídia social e rejeitados pelas editoras politicame­nte corretas”.

Uma empresa de relações públicas de Washington chamada Athos criou uma agência para representa­r conservado­res como Scott Atlas, antigo assessor de Donald Trump quanto ao coronavíru­s, e Christophe­r Rufo, pesquisado­r sênior do Manhattan Institute e diretor da iniciativa daquela organizaçã­o quanto à teoria crítica da raça, que recentemen­te vendeu um livro sobre o tema à editora Broadside. Rufo recebe o crédito por despertar a indignação de conservado­res convencion­ais com relação à teoria crítica da raça.

“Para ser honesto, acontece a mesma coisa que costuma acontecer com a divisão entre esquerda e direita”, disse David Bernstein, editorchef­e da Bombardier Books e Emancipati­on Books. “Todos sabemos estar publicando livros cada vez mais divisivos, que não têm audiência do outro lado; todos os envolvidos no mercado de livros políticos sabem disso.”

“É aquela velha questão do ovo ou a galinha”, ele prosseguiu. “Estamos criando a divisão ou refletindo a divisão?”

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Tuca Vieira/Folhapress Retratos do abolicioni­sta americano Frederick Douglass agora na Bienal de São Paulo

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