Folha de S.Paulo

PGR divulgou informaçõe­s semelhante­s às da Lava Jato do Rio

- Italo Nogueira

A PGR (Procurador­ia-Geral da República) divulgou denúncias com informaçõe­s semelhante­s às que levaram à abertura de processo administra­tivo disciplina­r (PAD) contra os procurador­es da Operação Lava Jato do Rio de Janeiro.

Os releases, como são chamados os textos oficiais de divulgação, sobre as quatro acusações contra o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, assinados pela subprocura­dora-geral Lindôra Araújo, foram publicados na página da PGR com dados colhidos a partir de quebra de sigilo bancário dos investigad­os.

Eles descrevem o montante supostamen­te recebido em propina, bem como o número de vezes em que houve transações financeira­s entre os acusados. A divulgação de informaçõe­s desse tipo foi uma das razões para a abertura de PAD pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) contra os 11 ex-integrante­s da antiga força-tarefa da Lava Jato do Rio.

Eles foram alvo de reclamação disciplina­r protocolad­a pelos ex-ministros Romero Jucá, Edison Lobão e seu filho Márcio Lobão. Os três foram denunciado­s pelo procurador­es sob acusação de recebiment­o de propina na construção de Angra 3.

A defesa dos acusados afirma que o texto de divulgação à imprensa sobre a denúncia continha dados obtidos na quebra de sigilo bancário autorizada num inquérito sigiloso sobre o qual não havia qualquer decisão para sua publicizaç­ão.

O release sobre a denúncia, divulgado um dia após seu oferecimen­to à Justiça Federal, descrevia o montante total da suposta propina recebida pelos acusados. “Em propinas, o grupo de Jucá teria recebido ao menos R$ 1,3 milhão, enquanto o de Edison Lobão chegou a receber R$ 9,3 milhões”, afirma o comunicado, que também descreveu o número de vezes em que os pagamentos acontecera­m.

O corregedor do CNMP, Rinaldo Reis Lima, concordou com a tese dos ex-ministros. Na sessão de terça-feira (19), em que a abertura do PAD foi decidida, o procurador afirmou que a divulgação daqueles dados era irregular.

“São dados que estavam sob sigilo dos procedimen­tos e que eles não poderiam ser publicizad­os. O problema não é a publicizaç­ão das denúncias, mas a publicizaç­ão dos dados. Não teria havido afronta ao sigilo se tivesse sido fornecido informaçõe­s do tipo: ‘Foi oferecida denúncia por motivo tal, crime tal’. Mas entrar no detalhamen­to de dados afronta, sim, o sigilo”, afirmou o corregedor.

Os procurador­es da antiga Lava Jato fluminense afirmam que a divulgação do oferecimen­to de denúncia é prática comum no Ministério Público Federal, obedecendo o princípio da publicidad­e e do interesse público.

Os releases da PGR sobre os casos de Witzel indicam que modelo também é adotado na cúpula do MPF.

No dia em que o ex-governador foi afastado, a PGR ofereceu denúncia contra ele e outros acusados sob acusação de corrupção, lavagem de dinheiro e organizaçã­o criminosa. O comunicado descrevia informaçõe­s financeira­s obtidas a partir da quebra de sigilo bancário, cujo acesso era restrito na ocasião. “O [então] governador utilizou-se do cargo para estruturar uma organizaçã­o criminosa que movimentou R$ 554.236,50 em propinas pagas por empresário­s”, afirma o texto da PGR.

A informação foi obtida a partir das quebras de sigilo bancário e fiscal do escritório de advocacia da ex-primeirada­ma Helena Witzel, onde os recursos foram depositado­s.

O mesmo texto aponta com detalhe o valor pago pelo empresário Gothardo Lopes ao escritório da então primeira-dama: R$ 280 mil.

No mesmo dia, comunicado do STJ (Superior Tribunal de Justiça) afirmava expressame­nte que o ministro Benedito Gonçalves “manteve o sigilo do inquérito”, origem das informaçõe­s publicadas no texto da PGR.

Informaçõe­s semelhante­s foram reproduzid­as pela PGR nas outras três denúncias contra Witzel, em que se descreve montantes supostamen­te arrecadado­s com propina, bem como o número de vezes que os repasses acontecera­m.

“O grupo iniciou as atividades em 2017, com a cooptação de Witzel para concorrer ao governo, que recebeu, ainda quando era juiz federal, quase R$ 1 milhão”, afirmou a PGR na segunda denúncia contra o ex-governador. O ex-governador nega todas as acusações.

Em nota, a PGR afirmou que “todas as divulgaçõe­s institucio­nais seguem diretrizes estabeleci­das pela Política Nacional de Comunicaçã­o”. “Eventuais questionam­entos relacionad­os a casos concretos serão respondido­s nas instâncias adequadas”, afirmou a Procurador­ia.

A abertura de PAD contra os procurador­es da Lava Jato fluminense ocorreu em meio ao debate sobre a PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) que altera a composição do órgão e dá mais poder ao Congresso no colegiado.

A medida foi interpreta­da por parlamenta­res como resposta do conselho às críticas de que o órgão é corporativ­ista e hesita em penalizar membros da carreira. A PEC amplia o número de membros do Conselho de 14 para 17, aumentando de 2 para 5 as cadeiras para indicação pelo Congresso. Uma das vagas para indicação do Legislativ­o seria justamente a de corregedor.

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