Folha de S.Paulo

Guedes tem dificuldad­e de lidar com Congresso e administra­ção não vai bem

Henrique Meirelles

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O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, criador do teto de gastos que o governo Bolsonaro agora quer furar, afirma que é difícil avaliar as circunstân­cias que levaram o ministro Paulo Guedes à atual crise na pasta.

“Oqueé um problema dele como Congresso, oqueé falta de diálogo, falta de prática, de experiênci­a administra­tiva, é difícil avaliar. O fato é que não está funcionand­o”, diz Meirelles.

Ele afirma que em sua experiênci­a no cargo também sofreu pressões e questionam­entos, mas resolveu com conversa franca, objetiva e firmeza.

* Em um cenário de volta de Lula o sr. seria ministro de novo? E sua candidatur­a ao Senado? Está pensando em quê?

Tenho uma postura, em geral, não perco tempo pensando em hipóteses. Me dedico a tomar decisões objetivas. A realidade em si já é suficiente­mente desafiante, demandando decisões difíceis etc. Além do mais, é não perder tempo com decisões sobre questões hipotética­s. Então, eu não trabalho sobre hipóteses.

O que existe, de fato, é uma situação em que a economia brasileira vai mal. Caiu 4,1% no ano passado, apesar de todo o auxílio emergencia­l etc. E esse ano tem um cresciment­o previsto que deve praticamen­te apenas compensar o que caiu em 2020, evamos chegara o fim do ano em um nível, digamos, talvez, cerca de 1%, no máximo, superior ao nível do início da crise da pandemia.

Por outro lado, se você olhar o estado de SP, devemos chegar esse ano com um nível de 8% acima do nível onde começou a pandemia. É cresciment­o extraordin­ário. Então, mostra que a situação da economia brasileira, de fato, está complicada. Isso é um fato. O que eu estou fazendo no m om en toé mede dicandoà economia de SP, que vai muito bem, está crescendo muito e o importante é que se mantenha esse cresciment­o, que está evitando um problema maior na economia brasileira.

São Paulo é quase 40% da economia, dependendo do setor, e uma média de um terço da economia, que compra e vende para todos os estados. Então, funciona como mo torda economia brasileira. É amaneira co moeu não só cumpro a minha função como secretário da economia de SP, mas ao mesmo tempo dou a minha contribuiç­ão para que a economia brasileira não entre em uma recessão de novo no próximo ano.

É esse o quadro. Estou sempre fazendo o meu trabalho. Quando estava no Banco Central foi assim, quando fui ministro da Fazenda e agora como secretário da economia de São Paulo.

Coma experiênci­a que osr. teve, acha que o ministro Paulo Guedes não conseguiu aprendera lidar como Congresso? Que conselho daria a ele?

Posso ter opiniões, palpites. O fato é que não está funcionand­o. O por quê, exatamente, já fica um negócio complicado. Sou uma pessoa que tem também uma teoria: eu trabalho com foco no resultado. Objetivame­nte, não está funcionand­o. E ponto.

Ele tem dificuldad­e de lidar com o Congresso, mas o fato é que a própria administra­ção econômica não vai bem. Por exemplo, a declaração dele de que vão pedir waiver do teto. Waiver lembra dos piores tempos do Brasil. A última vez que o Brasil pediu waiver foi do FMI. Quando o país estava quebrado. E do jeito que está, caminha para isso. Esses são os fatos.

O que é problema dele com o Congresso, o que é falta de diálogo, de prática e experiênci­a administra­tiva, sempre foi teórico, é difícil avaliar. O fato é que não está funcionand­o.

O Legislativ­o é parte do problema?

O Legislativ­o, como sempre é, em qualquer circunstân­cia e país, um grupo grande de pessoas, cada um representa­ndo sua região, seu setor, seus interesses, é normal.

Agora, por exemplo, quando eu apresentei a proposta de teto de gastos de 2016, não só aqui, mas também os investidor­es no exterior, me diziam que não ia ser aprovado nunca, que eu estava propondo que o parlamenta­r limitasse a própria capacidade de gastar. E foi aprovado. Como? Mostrando a realidade. Tendo conversa franca e objetiva.

Eu fui ao Congresso, fiz reuniões com bancadas de duas horas de duração. Fiz uma reunião que durou seis horas com uma bancada de um partido, mostrando detalhadam­ente.

Alguém diz: “não posso fazer porque o meu eleitor não vai gostar, porque não vou levar uma verba lá para o município”. Eu falei: “o seu eleitor está mais preocupado com levar uma verba lá para o município ou com o emprego? É como emprego, então, vamos garantir que a economia volte acrescer, criar emprego seis sovai ser bom para o seu eleitor. Pode dizer a ele que tomamos uma atitude dura e correta”. E funcionou. Foi aprovado. É preciso determinaç­ão, clareza e firmeza.

O sr. foi também foi pressionad­o no Banco Central?

No Ministério da Fazenda, por exemplo, por definição, o político gosta de gastar. Tem de ser. É normal. Não pode entender como um problema. Tem de ser enfrentado. Para isso foi criado um teto de gastos. No Banco Central, ninguém gosta de juro alto. Aí a inflação subia e subia o juro para poder baixara inflação. Ficava aquela gritaria. Mas tem de ficar firme, porque o resultado aparece. Aí todo mundo fica feliz. Mas tem de tomara medida certa e aguardar o resultado.

O sr., sendo o pai do teto de gastos, o que sentiu e como acompanhou a evolução disso ao longo da semana?

Eu acho que, de fato, romper o teto seria um retrocesso enorme. Nós corremos o risco de voltar ao tipo de recessão que tivemo sem 2015 e 2016. Tão simples quanto isso.

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