Folha de S.Paulo

Lula traria mais estabilida­de econômica que Bolsonaro

Ian Bremmer Presidente da Eurasia Group acha ‘extremamen­te improvável’ que atual mandatário seja reeleito, e talvez nem chegue ao segundo turno

- Lucas Bombana

Os planos do governo de romper o teto de gastos para financiar o pagamento do Auxílio Brasil, o novo Bolsa Família, têm provocado uma forte reação negativa do mercado, e podem contribuir para uma piora ainda maior da popularida­de do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Aavaliação­éd e Ian Bremmer, presidente da consultori­a política global Eurasia Group. Se o presidente brasileiro perder o que ainda lhe resta de apoio junto a empresário­s e investidor­es, as chances de uma 2022, diz o especialis­ta, ficam ainda mais distantes.

“Os eventos das últimas 24 horas deixaram muito claro que está ficando cada vez mais difícil para Bolsonaro conseguir chegar ao segundo turno”, disse Bremmer, em entrevista­à Folha concedida na manhã desta sexta-feira (22), no dia seguinte ao do anúncio da saída de secretário­s de Paulo Guedes (Economia).

Na sexta à tarde, Guedes defendeu o plano do governo para turbinar o Bolsa Família, que promove uma manobra para driblar regras fiscais. Ele estava ao lado de Bolsonaro, o que acalmou o mercado.

O cientista político afirmou também que um enfraqueci­mento de Bolsonaro pode abrir espaço para que uma candidatur­a de centro venha a disputar o segundo turno com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em caso de vitória do petista, Bremmer não espera por uma saída volumosa de capital do país. Pelo contrário .“Na verdade, espero que haja uma estabilida­de maior na cenário ]”, afirmou o especialis­ta, que será um dos palestrant­es do evento Anbima Summit que ocorre nesta semana.

Tivemos nos últimos dias um aumento no ruído político no Brasil, com declaraçõe­s do governo sobre o Auxílio Brasil e o teto de gastos. Como o sr. avalia os eventos recentes e seus impactos para o país?

A popularida­de de Bolsonaro está muito baixa, na esteira de desafios econômicos como a questão energética e a alta da inflação. E, claro, a falta de coordenaçã­o durante a pandemia. Agrande questão, especialme­nte agora, após importante­s nomes da equipe econômica do[ ministro Paulo] Guedes terem saído, é que sua popularida­de pode diminuir. E se perder o time econômico, Bolsonaro entrará em uma queda livre. Haverá uma forte punição por parte do mercado, e aumentam as chances de o Brasil volta rate ruma recessão emu mano eleitoral.

Os eventos das últimas 24 horas deixaram muito claro que está ficando cada vez mais difícil para Bolsonaro conseguir chegar ao segundo turno. Ouvimos de muitos empresário­s e investidor­es no Brasil, que antes eram grandes apoiadores de Bolsonaro, dizerem agora de maneira privada que já não o apoiam mais.

Quaisc ons e quência sesse cenário pode trazer?

A implicação mais interessan­te que pode haverseria Bolson aro perder tanto apoio aponto de abrir espaço parau ma terceira via. Sab emosque Lula será um dos candida tosque deve chegar no segundo turno, e seri anatural de se esperar que o atual presidente­também conseguiss­e chegar lá, mas esse pode não ser o caso. As barreiras ainda são altas para uma terceira via, mas Bolsonaro tem cometido muitos equívocos, e isso em um contexto em que ainda estamos em uma grave crise.

Acho que é extremamen­te improvável que o Bolsonaro seja reeleito, e vejo como uma possibilid­ade crescente um candidato do centro disputando contra Lula. A terceira via é um evento que com certeza seria muito bem recebido por empresário­s e investidor­es.

Na E ur asia, temos tido diversas conversas comesses potenciais candidatos par afalarmos sobre suas plataforma­s, mas não é ainda o cenário-base. Se me perguntar hoje qual a maior probabilid­ade que vejo, ainda é de uma disputa entre Lula e Bolsonaro, com Lula sendo o vencedor da disputa.

Qual sua expectativ­a quanto a um eventual retorno de Lula à Presidênci­a no Brasil?

Provavelme­nte mais moderado em termos de orientaçõe­s políticas a serem seguidas, em comparação ao que ele já foi no passado. E obviamente descontent­e com o Judiciário, e talvez com questões a serem resolvidas, por se sentir completame­nte injustiçad­o ao ter sido condenado e preso.

Por outro lado, não acredito que Lu latenha intenções comode estatizara indústria do país ou de se tornar um socialista. Acredito que será um governo social-democrata, pró-trabalhado­res, pró-emprego, mas que não será um nome que o mercado terá aversão.

Não acredito que haverá uma saída maciça de capital se Lula vencer as eleições. Na verdade, espero que haja uma estabilida­de maior na economia [nesse cenário]. E digo isso não apenas como um analista, mas como alguém que tem dois escritório­s no Brasil, em São Paulo e em Brasília. Vamos contratar mais pessoas apenas quando tivermos uma clareza maior sobre as perspectiv­as para as eleições.

Qual a probabilid­ade de vitória de Bolsonaro?

Hoje estimamos em algo próximo de 20%. É importante destacar que a as eleições ainda estão longe, e muita coisa pode acontecer até lá. Mas está muito claro que a popularida­de de Bol sonar o está bastante baixa. Não tão baixa aponto de ele sofre rum impeachmen­t, mas tornando a reeleição muito improvável.

Umadas principais razões para apontarmos comtan ta ante cedência essa baixa probabilid­ade de Bol sonar o vence ré pelo fato de que a economia deve passar por momentos desafiador­es nos próximos 12 meses. E seja ou não ele o culpado, a culpa sempre vai recair sobre o presidente se a economia não estiver bem quando as eleições chegarem. É um momento econômico ruim para Bolsonaro conseguir se reeleger.

Bolsonaro pode querer radicaliza­r caso não consiga aumentar o apoio para as eleições?

Vejo o presidente brasileiro seguindo o exemplo de Donald Trump, com fake news, negando todas as acusações, dizendo que será o vencedor. Mas que, no fim, perde as eleições, assim como Trump. Agora, se ele resolver partir para um discurso de que a eleição não é legítima, pode haver manifestaç­ões maiores do que vimos no 7 de Setembro, e muitos episódios de violência. Podemos ver o país à beira da combustão, e talvez ainda em meio a uma recessão econômica, com amoeda em forte desvaloriz­ação. Há perigos reais rondando as eleições brasileira­s no ano que vem, mas também acredito que o Brasil conseguirá superá-los.

Geralmente o narcisismo e o populismo são bastante autodestru­tivos no sistema político. O perigo é que, se o sistema é fraco, eles podem conseguir derrubar todo o sistema. O sistemanos Estados Unido sé muito resiliente, as instituiçõ­es são fortes. As instituiçõ­es brasileira­snão sã otão fortes quanto às dos EUA, mas são mais fortes do que na Turquia ou na Hungria.

Não tenho preocupaçõ­es que o Brasil retorne a um governo militar ou coisa do gênero. Os líderes militares do país não têm nenhum interesse nisso e vão continuar apoiando a democracia.

A vitória de nomes c omo de Joe Biden nos EUA, e talvez de Lula no Brasil, representa uma volta da velha política, com menos espaço para nomes de fora do meio?

Vejo que ainda existe um enorme apoio para esses nomes pouco tradiciona­is em países em que a desigualda­de tem crescido. Ena maior parte do mundo a desigualda­de está avançando, os estragos provocados pela Covid-19 e o aumento do endividame­nto pioraram essa situação ainda mais. Isso não é verdade em países como Alemanha, Japão ou Canadá, que são menos desiguais, menos polarizado­s, em que as pessoas se sentem mais satisfeita­s com contrato social equanto à legitimida­de de seus líderes, do quenos EUA, no Brasil, na França ou no Reino Unido.

É preciso olhar para cada país. Nos EUA, Biden foi eleito, masa realidade é que is soo correu porque estamos emu mm omento mais favorável à esquerd adentro do partido Democrata. Enquanto isso, no Republican­o, o momento é favorável a Trump. Os EU Atêm se tornado cada vez mais divididos.

No Reino Unido, vejo uma situação semelhante, coma região ainda sofrendo os danos causados pela decisão de deixara União Europeia, que foi um grande erro. Agora eles estão em uma situação muito ruim com importante­s parceiros comerciais. O Reino Unido tinha uma relação quase que ideal coma União Europeia, era um modelo flexível, eles tinham sua independên­cia e autonomia. E tinham acessoa bens e mão de-obra oriundas desses países comuns do bloco.

Por que estão faltando motoristas de caminhões no país? Foram todos para outros países da Europa. O Reino Unido estava integrado ao maior bloco comercial global, e voluntaria­mente escolheu, de maneira bastante confusa, sair.

Biden caminha para completar um ano na Presidênci­a dos EUA. Qual sua avaliação sobre esse primeiro ano do presidente americano?

Diria que foi ok. Suas prioridade­s são domésticas. O apoio econômico de US$ 1,9 trilhão (R$ 10,85 trilhões) foi importante e veio de maneira rápida, o que ajudou muita gente. Mas na política internacio­nal, ele decepciono­u diversas pessoas que tinham altas expectativ­as, por conta do Afeganistã­o, da falta de liderança durante a pandemia, entre outras questões.

 ?? Rodrigo Capote/Folhapress ?? Ian Bremmer, 51
Cientista político, é fundador e presidente da consultori­a global Eurasia Group. Tem mestrado e doutorado em ciência política pela Universida­de de Stanford, na Califórnia. Leciona na Escola de Relações Públicas e Internacio­nais da Universida­de de Columbia, em Nova York
Rodrigo Capote/Folhapress Ian Bremmer, 51 Cientista político, é fundador e presidente da consultori­a global Eurasia Group. Tem mestrado e doutorado em ciência política pela Universida­de de Stanford, na Califórnia. Leciona na Escola de Relações Públicas e Internacio­nais da Universida­de de Columbia, em Nova York

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