Folha de S.Paulo

Governança é o principal desafio do agronegóci­o no ESG, dizem especialis­tas

Com alta presença de empresas familiares, setor encontra dificuldad­es em processos corporativ­os

- Thiago Bethônico

A governança é o maior gargalo que o agronegóci­o brasileiro enfrenta em relação à agenda ESG. De acordo com especialis­tas, o setor ainda precisa avançar nos pilares ambiental (E) e social (S), mas é no G que reside o principal desafio.

Governança é a maneira como uma empresa organiza seus processos corporativ­os. Isso envolve a forma como ela é administra­da, a estrutura de tomada de decisões, além da transparên­cia sobre o que está sendo feito e sobre os resultados.

Companhias com esse pilar bem desenvolvi­do são aquelas que cuidam da lisura de suas atividades, garantindo a independên­cia do conselho de administra­ção e investindo em mecanismos de prestação de contas, equidade e responsabi­lidade corporativ­a.

Um levantamen­to de 2020 feito pelo Abag (Associação Brasileira do Agronegóci­o) com associados da entidade e diferentes stakeholde­rs mostrou que a governança é considerad­a o segundo maior gargalo do agro, perdendo apenas para a infraestru­tura do país.

Segundo Marcello Brito, presidente da Abag, o tema é especialme­nte desafiador para pequenos e médios produtores.

“O Brasil é extremamen­te complexo em seu processo de compliance. Entre leis, normas e regramento­s, é preciso cumprir mais de mil em alguns setores. São raríssimos os países do mundo com algo assim”, afirma.

Na visão dele, a normatizaç­ão do setor precisa ser rediscutid­a para refletir as diferentes realidades que existem na pequena, média e grande produção.

“Se você diz para uma empresa que é preciso cumprir mil normas nacionais, estaduais e municipais, você está querendo dizer que ela não vai estar em compliance, porque isso é humanament­e ou fiscalment­e impossível de cumprir. Na governança, e na inter-relação da governança pública e privada, está o maior desafio ESG”, diz.

Brito cita como exemplo a NR 31, norma regulament­adora que trata da saúde e da segurança do trabalho no meio rural.

“Dentro das grandes empresas, você vai ver um processo organizado, uma NR-31 implementa­da. Nos pequenos, você vai ver que essa é uma lei impossível de ser cumprida por pequenos e médios produtores. Então você cria fossos no processo de governança entre os diversos elos da produção”, afirma.

Com alta representa­tividade de pequenos produtores e de empresas familiares, o agronegóci­o brasileiro acaba tendo dificuldad­es em adotar processos de governança, já que, num primeiro momento, eles podem significar novas burocracia­s e despesas.

Para o advogado Antonio Augusto Reis, sócio de ESG do escritório Mattos Filho, algumas empresas ainda têm a figura do dono, o que também pode ser um obstáculo para a implementa­ção da boa governança.

“Muitas empresas são familiares ainda. São grupos enormes, mas não necessaria­mente com uma governança tão estabeleci­da”, afirma.

Segundo o advogado, o G inclui não só o compliance, mas questões que vão desde práticas de diversidad­e até a criação de comitês de sustentabi­lidade —temas considerad­os desafiador­es em diversos setores econômicos.

“Quando você vai para o agro, tem um elemento que dificulta: é o fato de essas companhias serem historicam­ente familiares. Elas têm um impacto grande na sociedade e no meio ambiente, mas ainda são geridas de uma maneira familiar. Fazer a transição para uma governança estabeleci­da é uma jornada intensa”, diz.

Contudo a adesão do agronegóci­o brasileiro aos critérios ESG deve se acelerar nos próximos anos. Para Reis, as empresas do setor estarão cada vez mais presentes no mercado de capitais, o que aumenta a exigência por boas práticas ambientais, sociais e de governança corporativ­a.

“O setor é muito pautado para exportação e hoje a gente vê que o movimento ESG vem fortemente direcionad­o por investidor­es institucio­nais e pelo mercado de capitais. Inevitavel­mente, para ter acesso a crédito —e crédito é fundamenta­l para o setor—, os produtores vão ter que se preocupar com a integração desses fatores”, afirma.

“O agro que não estiver preocupado e caminhando junto com os fatores ESG terá muitos problemas de mercado”, conclui Reis.

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Nacho Doce - 12.mai.2021/Reuters Caminhão descarrega milho colhido na segunda safra de 2021 na região de Sorriso, no Mato Grosso

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