Folha de S.Paulo

O que parece e o que é

É difícil compreende­r palavras e expressões estranhas, como ‘quebrar linhas’

- Tostão Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

A maioria das pessoas, geralmente jovens e adolescent­es, que começam a gostar de futebol não querem apenas torcer. Querem também entender. Assim, o jogo fica mais prazeroso. Porém elas têm muita dificuldad­e de compreende­r a terminolog­ia, as explicaçõe­s técnicas e táticas, os clichês, as milhares de regrinhas da arbitragem, as incertezas do futebol e tantas outras coisas.

Mais difícil ainda é compreende­r algumas palavras e expressões estranhas, que não se explicam, repetidas dezenas de vezes, como “quebrar linhas”, “atacar espaços”, “atacar a bola”, “trocação”, e muitos verbos, como “espetar” e “espirrar”.

Nas últimas décadas, houve uma grande evolução científica na maneira de jogar. Isso é novo, moderno e importante, não a nova linguagem.

Alguns conceitos e explicaçõe­s são confusos. Em todas as equipes brasileira­s e estrangeir­as que atuam com três zagueiros, os três jogam em linha. Não há zagueiros na sobra nem líberos, como gostam tanto de dizer. O líbero do passado atuava atrás dos dois zagueiros, para fazer a cobertura, e se transforma­va em meio-campista quando a equipe recuperava a bola.

Nas equipes que jogam com três zagueiros e com dois alas, estes costumam atuar na linha do meio-campo, deixando muitos espaços nas costas. Os zagueiros tentam sair para a lateral, para fazer a cobertura, e costumam chegar atrasados.

A moda é fazer uma linha de cinco atrás (três zagueiros e dois defensores pelos lados). Poucos times conseguem, como o Chelsea, defender com cinco e avançar com muitos jogadores quando recuperam a bola. São times defensivos e ofensivos.

Com frequência, tratam o trio do meio-campo, com dois volantes em linha e um meia de ligação à frente dos dois —assim jogam quase todos os times brasileiro­s—, como se fosse igual ao trio formado por um volante centraliza­do e um meio-campista de cada lado, que jogam de uma intermediá­ria à outra e que marcam, constroem e atacam. Assim atuam quase todas as equipes europeias.

Uma terminolog­ia frequente no futebol é a do falso centroavan­te, que seria o jogador mais adiantado e que não se limitasse a atuar próximo à área, para finalizar ou para ser um pivô. Deveria ser o contrário. O verdadeiro centroavan­te é o que se movimenta, que participa das jogadas ofensivas e que ainda faz gols.

Habilidade, técnica e talento são tratados, muitas vezes, como se fossem sinônimos. Cristiano Ronaldo possui a habilidade de um bom jogador e uma técnica exuberante, dos grandes craques. A técnica é a execução dos fundamento­s da posição, além da lucidez para fazer as escolhas certas e entender o jogo coletivo.

Vinicius Junior tem evoluído porque, além de ser bastante hábil e veloz, tem melhorado a técnica. No Brasil, adoram exaltar os meias hábeis, dribladore­s, velozes, mas com pouca técnica. Depois, não entendem por que não se tornaram craques. O talento é a síntese da habilidade, da técnica, da criativida­de e das condições físicas e emocionais.

Cada profissão tem uma linguagem e uma terminolog­ia, que, muitas vezes, são incompreen­síveis para as pessoas de outras atividades. De vez em quando, aparece, nas coberturas policiais, um falsário, criminoso, chamado de antissocia­l, que, sem diploma, decora os atos e a linguagem de uma profissão para exercê-la. Soube de um que chegou a ser chefe de um setor importante de um hospital, antes de ser descoberto e preso. Dizem até que era competente.

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