Folha de S.Paulo

Falta de representa­tividade motiva casais a criar novos serviços

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Durante uma aula do mestrado, o dentista Arthur Lima, 29, recebeu uma mensagem que o intrigou. Uma colega procurava por especialis­tas em tratar canal, e eles precisavam ser negros.

“Era para indicar a uma paciente que fora discrimina­da em um atendiment­o e que, para se sentir mais confortáve­l, queria fazer o canal com um dentista negro”, diz Arthur.

Ele conferiu a própria agenda e suas redes sociais para chegar à conclusão de que não tinha nenhum nome para sugerir. Por coincidênc­ia, um dos assuntos daquela aula era a desigualda­de racial no mercado de trabalho.

Arthur compartilh­ou a história com o marido, o jornalista Igor Leo Rocha, 34, especialis­ta em comunicaçã­o corporativ­a, que então se deu conta de nunca ter sido atendido por um médico negro, como ele.

“Começamos a enxergar a dificuldad­e de encontrar profission­ais de saúde negros como uma ideia de negócio”, diz Igor. O resultado é a healthtech AfroSaúde, fundada pelo casal de Salvador em 2019.

“Nosso principal propósito é tornar as tecnologia­s em saúde mais acessíveis. Nas comunidade­s, ter um atendiment­o online, por exemplo, nem sempre é uma opção”, afirma o jornalista. “Ao mesmo tempo, atuamos para que os profission­ais de saúde negros sejam mais visibiliza­dos.”

Já a jornada da Carreto das Minas iniciou quando Nayara Bitencourt, 28, e sua mãe encerraram um comércio de roupas em São Paulo logo após adquirirem um carro para transporta­r as mercadoria­s.

Sem ocupação e endividada,

a jovem decidiu usar o veículo para realizar carretos. “Se antes eu precisava de frete e não achava alguém de confiança, então eu mesma poderia oferecer esse serviço para outras mulheres”, conta.

O volume de trabalho cresceu em 2017, quando Nayara conheceu Ana Glória, 27, sua atual companheir­a e sócia.

“O público-alvo do Carreto das Minas são mulheres e grupos LGBTQIA+, mulheres que gostam de incentivar mulheres”, afirma Ana.

Para colocar o serviço de pé, Arthur e Igor distribuír­am um formulário nas redes sociais questionan­do se o público utilizaria uma plataforma de conexão com profission­ais negros da área de saúde.

“A gente colheu diversas informaçõe­s, inclusive casos de quem foi discrimina­do durante atendiment­os”, diz Arthur.

Com as respostas, o dentista e o jornalista perceberam que trilhavam o caminho certo.

No site, no aplicativo e nas redes sociais, eles disponibil­izam conteúdos de saúde direcionad­os à população negra com linguagem acessível .

“Sempre temos uma pessoa preta de jaleco, porque quem está vendo ou lendo se identifica com a imagem e assimila a informação”, Afirma Arthur.

Para as responsáve­is pelo Carreto das Minas, a validação veio quando postaram a foto carregando uma geladeira. Em menos de 24 horas, segundo Nayara, a imagem foi compartilh­ada 15 mil vezes e teve 1 milhão de visualizaç­ões.

Depois de cinco anos, as empreended­oras ainda encaram comentário­s machistas, porém menos do que no início.

Apesar dos desafios, o Carreto das Minas sobreviveu à crise causada pela Covid-19. “No final de 2020 o serviço voltou ao que era antes da pandemia, e estamos com a agenda cheia”, afirma a idealizado­ra.

A AfroSaúde, por sua vez, se firmou durante a escalada do coronavíru­s, oferecendo telemedici­na a mais de 400 famílias com a ajuda de 45 voluntário­s. Em dois anos de existência, já cadastrou quase 900 profission­ais de saúde e 1.200 pacientes em todo o Brasil.

“Em muitos momentos sentimos que ela não ia avançar, mas sempre tentamos identifica­r os pontos críticos e testar hipóteses”, comenta Arthur.

“Um aprendizad­o importante no mundo dos negócios e das startups, principalm­ente quando se trabalha a escassez, é saber que o tempo todo você está gerenciand­o crise”, completa Igor.

Tanto a AfroSaúde quanto o Carreto das Minas participar­am da série Negócios Plurais, uma parceria da Folha com o Instagram.

“Em muitos momentos sentimos que a AfroSaúde não ia avançar, mas sempre tentamos identifica­r pontos críticos e testar hipóteses

Arthur Lima criador da healthtech AfroSaúde

“Se antes eu precisava de frete e não achava alguém de confiança, então eu mesma poderia oferecer esse serviço para outras mulheres

Nayara Bitencourt criadora do Carreto das Minas

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Da esq. para a dir, Arthur Lima e Igor Leonardo, da AfroSaúde, e Nayara Bittencour­t e Ana Glória, do carreto das Minas
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