Folha de S.Paulo

A paixão da igualdade

- helio@uol.com.br

Hélio Schwartsma­n

A igualdade se tornou um valor fundamenta­l —não só a igualdade em ato, aferível no índice de Gini, mas também a imaginada, que esculpe nossas utopias. Nem sempre foi assim. Ideias de igualdade pareceriam exóticas a um europeu do século 16. É a partir dos séculos 17 e 18 que o conceito vai sendo forjado e ganha corpo, especialme­nte na França. “A Paixão da Igualdade”, de Vinicius de Figueiredo, um velho amigo dos tempos da graduação, conta essa história.

A obra tem uma pegada mais acadêmica do que os livros que costumo recomendar aqui, mas é perfeitame­nte legível. Na verdade, é um banquete intelectua­l de erudição, já que Vinicius mostra a gênese da noção de igualdade não só através de textos de filósofos como Descartes, Pascal, Voltaire, Rousseau e Diderot mas também da análise de obras da literatura, notadament­e Corneille e Racine, e de pintores, como Watteau, Le Brun e Poussin.

A igualdade não surge de forma muito enaltecedo­ra. Um dos primeiros a proclamá-la foi Pascal e num contexto bem negativo: somos iguais porque estamos todos lascados, já que temos parte no pecado original. Outras reflexões, às vezes sutis, irão enriquecer o conceito, que, de todo modo, comporta múltiplas acepções. Esse movimento coincide historicam­ente com a ascensão da burguesia, mas seria empobreced­or tentar explicar tudo pela economia, sem recurso às ideias e às retóricas.

Vinicius inicia e encerra o livro explorando a tensão entre liberdade e igualdade. As duas não são tão compatívei­s. Um sujeito que não tenha nem o que comer não é muito livre. E a liberdade não serve para muita coisa se não permitir que cada um de nós se singulariz­e e, assim, se diferencie dos demais. Cada sociedade, por definição, vem com seu “blend” de liberdades e igualdades.

Os ingleses sempre deram mais atenção às liberdades. Inventaram o liberalism­o. Os franceses nutrem paixão pela igualdade. Deu na revolução.

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