Folha de S.Paulo

Os vilões da inflação

Alta da gasolina expõe o retrocesso da Petrobras

- Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte Professore­s associados de Relações Internacio­nais da UFABC e pesquisado­res do Observatór­io da Política Externa e da Inserção Internacio­nal do Brasil (Opeb)

Por que os preços de derivados de petróleo —em especial a gasolina, o gás de cozinha e o diesel— não param de subir a ponto de hoje metade da população brasileira ter de recorrer à lenha para cozinhar?

O fenômeno se acentuou a partir de outubro de 2016, após a derrubada do governo Dilma Rousseff (PT). Foi neste mês que a Petrobras, então presidida por Pedro Parente, decidiu adotar a política de preços de paridade de importação (PPI). A alegação era a necessidad­e de se acompanhar os preços internacio­nais, apesar de o Brasil ter se tornado autossufic­iente em petróleo. Por que isso aconteceu?

Há duas ordens de causas. A primeira é que a recuperaçã­o econômica em curso aumenta a demanda por energia em todo o mundo. O sintoma mais claro está no preço do petróleo, que dobrou em um ano, passando da marca dos US$ 80 o barril. Com o câmbio nas alturas, a variação por si só tornaria os montantes impagáveis em reais. Mas há um segundo fator, que resulta das opções privatista­s dos dois últimos governos brasileiro­s. Trata-se da perda de capacidade de refino doméstica e dos interesses dos acionistas privados.

O parque de refino brasileiro foi construído basicament­e pela Petrobras entre as décadas de 1950 e 1970 com o objetivo de produzir derivados, em grande medida, a partir do óleo importado para um mercado interno em expansão. O Brasil se tornou autossufic­iente em refino em 1980 e, até o início do novo século, não houve expansão da capacidade instalada.

Diante da perspectiv­a de cresciment­o da demanda, o governo Lula (PT) planejou quatro novas refinarias. Apenas parte de uma entrou em operação, a de Abreu e Lima, em Pernambuco, em 2014. Essa diretriz foi abandonada depois de 2016. Segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo), em 2020 refinamos 647 milhões de barris, volume ligeiramen­te inferior ao que realizávam­os em 2007, com 652 milhões de barris! Para fazer frente ao cresciment­o da demanda, o país voltou a depender de importação de derivados, que praticamen­te dobrou em 15 anos.

Embora o Estado siga detendo mais de 50% do capital votante da Petrobras, o que lhe garante proeminênc­ia em sua direção, a composição do capital social é distinta. O poder público detém 36,75% das ações, e 63,25% estão nas mãos do “mercado”. Essa fatia recebe a maior parte dos dividendos da companhia. Seus interesses se unem aos dos importador­es de derivados para seguir as cotações internacio­nais.

A lógica de preços de paridade de importação expressa tais interesses. Para atendê-los, aplicou-se uma política deliberada de aumentar a capacidade ociosa das refinarias, mesmo com demanda elevada, favorecend­o importador­es.

O resultado é a transforma­ção da companhia em exportador­a de óleo cru e importador­a de derivados, fazendo-a funcionar como fundo de especulaçã­o financeira. Acreditar que a privatizaç­ão das refinarias resultará na construção de novas unidades equivale a fazer listinhas para o Papai Noel.

É preciso colocar o problema da alta dos preços em perspectiv­a ampla. Além de resolver o déficit na capacidade de refino, é preciso que o Estado volte a tornar a Petrobras uma empresa a serviço do desenvolvi­mento e do bem-estar da população.

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