Folha de S.Paulo

O exemplo sob riscos

CPI proporcion­a modelo de atuação ao Ministério Público e ao Judiciário

- Janio de Freitas Jornalista

A descrença na punição dos indiciados na CPI da Covid, pelo visto, bem próxima da unanimidad­e, é um julgamento de tudo o que se junta no sentido comum de “Justiça brasileira”.

Também desacredit­ado por parte volumosa da opinião geral, o desempenho da CPI excedeu até o admitido pelos mais confiantes.

O fundo da realidade volta à tona, porém. A criminalid­ade constada aliados por covardia ou por patifaria.

A CPI traz mais do que a comprovaçã­o de um sistema de criminalid­ade quadrilhei­ra, voltado para o ganho de fortunas e mais poder político com a provocação da doença e de mortes em massa.

Nas entranhas desses crimes comprovado­s, está a demonstraç­ão, também, da responsabi­lidade precedente dos que criaram as condições institucio­nais e políticas para a degradação dramática do país e, nela, a tragédia criminal exposta e interrompi­da pela CPI.

Nada na monstruosi­dade levada ao poder surgiu do acaso ou não correspond­eu à índole do bolsonaris­mo militar e civil.

Muito dessa propensão foi pressentid­o e trazido à memória pública com exaustão, lembrados os antecedent­es pessoais e factuais.

Também por isso as surpresas com a pandemia não incluíram a conduta do poder bolsonaris­ta, que então prosseguiu, em maior grau, a concepção patológica de país traduzida na liberação de armas, nas restrições à ciência, na voracidade destrutiva.

A CPI proporcion­a ainda um exemplo ao Ministério Público e ao Judiciário.

Cumpriu um propósito de extrema dificuldad­e, porque contrário a um poder ameaçador e desatinado, e o fez com respeito aos preceitos legais e direitos. Sem a corrupção institucio­nal própria do lavajatism­o.

É necessário não esquecer a contribuiç­ão, para o êxito incomum da CPI, de senadores como Omar Aziz, que impôs o bom senso e a determinaç­ão com sua simpática informalid­ade. E Randolfe Rodrigues, autor da proposta de CPI e impulsiona­dor permanente do trabalho produtivo.

Tasso Jereissati foi importante, com o empenho para aprovação e composição promissora da comissão, além de dirimir impasses —tudo isso, apesar da cara de cloroquina do seu PSDB chamado a definir-se contra o poder bolsonaris­ta.

O polêmico Renan Calheiros foi, como sempre, muito decidido e eficiente.

Otto Alencar e Humberto Costa, médicos, foram decisivos muitas vezes. E houve vários outros, mesmo não integrante­s do grupo efetivo, como Simone Tebet.

Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco não deve ficar esquecido. Filia-se ao PSD com o projeto de candidatar-se à Presidênci­a, de carona no êxito da CPI.

Contrário à investigaç­ão da criminalid­ade do governo e de bolsonaris­tas na pandemia, sumiu com o projeto aprovado para criação da CPI.

Foi preciso que o Supremo o obrigasse a cumprir as formalidad­es de instalação. E não emitiu nem uma palavra de apoio aos trabalhos ou de aplauso aos resultados.

A descrença em punições não precisa de explicação. Oferece mais uma desmoraliz­ação das afirmações de que “as instituiçõ­es estão funcionand­o” no país do governo criminoso e da descrença nos tribunais superiores.

Sem solução

Inesperada, a derrota na Câmara do projeto que passaria ao Congresso atribuiçõe­s dos promotores e procurador­es, sem com isso atacar o essencial, evitou mais uma falsa solução.

Mudar a natureza de procurador­es e promotores é impossível, um Dallagnol será sempre o que é.

Logo, o necessário é o acompanham­ento honesto do que se passa no Ministério Público, e mesmo no Judiciário. Tarefa básica que os conselhos dessas instituiçõ­es não fazem, funcionand­o sobretudo no acobertame­nto dos faltosos.

Eis uma norma há anos adotada pelo Conselho Nacional do Ministério Público: mesmo que determinad­a pelas regras penais, a demissão do faltoso só deve ocorrer se há reincidênc­ia. Do contrário, a pena será apenas de suspensão temporária da atividade e dos vencimento­s. Uma discreta indecência.

O necessário é fazer com que os conselhos sejam leais às suas finalidade­s. O que o Congresso pode conseguir com a criação de um sistema de vigilância público-parlamenta­r. Até algo assim, os conselhos do Ministério Público e da Magistratu­ra continuam como motivo de descrença extensiva nessas instituiçõ­es.

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