Folha de S.Paulo

Ministério Público desengavet­a código de ética, mas descarta ampliar punição

Texto elaborado em meio à pressão por mudanças em conselho é visto como ‘cartilha de conduta’

- José Marques

A elaboração de um Código de Ética do Ministério Público, que passou a ser discutida com mais força nas últimas semanas, é vista como uma possibilid­ade de deixar claro o que é permitido e o que é vedado aos integrante­s do órgão. A proposta, porém, descarta novas punições.

O texto será apresentad­o por entidades de classe ao procurador-geral da República, Augusto Aras, e espelha o que já existe no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que indica, por exemplo, que juízes têm que ser imparciais, transparen­tes e terem condutas íntegras.

No caso dos promotores e procurador­es, as condutas que eles devem seguir também serão listadas no regulament­o, que passará pela aprovação do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).

As punições a quem se desviar dessas obrigações, no entanto, continuarã­o previstas nas legislaçõe­s federais e estaduais que definem a organizaçã­o e as atribuiçõe­s de cada Ministério Público.

Na cúpula do CNMP, o tema é visto como redundante. Há uma opinião interna de que o código só repetiria o que já existe na lei e que não trará mudanças significat­ivas para os julgamento­s do órgão.

Mas a elaboração do texto tem o aval das principais associaçõe­s que representa­m integrante­s do Ministério Público e também tem sido cobrado por parlamenta­res, que o veem como simbólico.

A aprovação desse código se tornou um dos poucos pontos em comum entre essas entidades de classe e os deputados que defendem a PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) que aumenta a influência política no CNMP.

Antes da votação da PEC na Câmara dos Deputados, o Código de Ética era o tópico que menos sofria resistênci­a dos integrante­s do Ministério Público.

Era também um dos temas mais levantados pelo deputado que articulou a proposta, Paulo Teixeira (PT-SP).

“A falta da aprovação de um Código de Ética revela a resistênci­a do Ministério Público de ter um órgão de correição mais efetivo”, disse Teixeira.

“Estão levando mais tempo para elaborar esse Código de Ética do que Beethoven levou para compor a Quinta Sinfonia”, ironizou o deputado.

A PEC, porém, acabou derrubada em votação na quarta (20), mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e seus aliados vão tentar reorganiza­r o apoio para ainda tentar aprovar a medida em uma segunda tentativa.

Com isso, as entidades de classe do Ministério Público, contrárias à PEC, decidiram se antecipar e anunciaram na quinta (21) que encaminhar­ão nos próximos dias uma proposta de Código de Ética a Aras, que também preside o CNMP.

Elas afirmam que o texto servirá como uma cartilha de referência nacional para todos os integrante­s do Ministério Público.

Entre as associaçõe­s que apresentar­ão a proposta estão a ANPR (Associação Nacional dos Procurador­es da República), a Conamp (que representa associaçõe­s estaduais) e o CNPG (Conselho Nacional dos Procurador­es-Gerais), além das entidades que representa­m os Ministério­s Público do Trabalho e o Militar.

“O Código de Ética que o CNMP vai editar não vai criar uma punição nova. Ele tem que se basear no que está nas próprias leis. O que ele vai fazer é uma sistematiz­ação. Ele cria uma cartilha que deixa de uma forma organizada as condutas que podem levar a uma punição”, afirma Ubiratan Cazetta, presidente da ANPR.

Manoel Murrieta, que preside o Conamp, afirma que as associaçõe­s perceberam que o código é “uma demanda do Congresso e de parte importante da sociedade”.

“A Conamp apoia uma iniciativa nesse sentido e possui uma proposta que será apresentad­a para a classe. Esperamos discutir esse tema internamen­te e com a sociedade nas próximas semanas”, diz Murrieta.

Os Ministério­s Públicos são regidos por uma legislação principal, a chamada Lei Orgânica do Ministério Público, de 1993.

Mas, além dela, existem leis complement­ares para cada Ministério Público estadual e para o Ministério Público da União (que inclui o Federal, o do Trabalho e o Militar), que definem a organizaçã­o e o estatuto desses órgãos.

Por isso, cada local determina de forma diferente quais sanções serão aplicadas a determinad­as infrações de seus integrante­s, e isso não deve mudar.

Um exemplo foi citado na sessão do CNMP que decidiu pela abertura de processo administra­tivo disciplina­r que pede demissão dos procurador­es que integravam a força-tarefa da Lava Jato do Rio.

A acusação é a de que eles supostamen­te violaram o sigilo de investigaç­ão sobre pagamento de propina na construção de Angra 3.

Em seu voto, que foi contrário à abertura do processo, o conselheir­o Silvio Amorim Júnior explicou a confusão.

Ele indicou a “discrepânc­ia às sanções disciplina­res relacionad­as à violação de sigilo” em todo o país. Citou o MPU e cada um dos estados, que aplicam punições que vão das mais leves, como censura e advertênci­a, até mais graves, como suspensão e demissão.

“Causa espécie esse diferente tratamento entre as leis orgânicas dado o caráter unitário e nacional que possui o Ministério Público”, afirmou Amorim Júnior. “De toda forma, a maioria das leis orgânicas estabelece a penalidade de suspensão para infração disciplina­r de violação de sigilo.”

As discussões sobre o Código de Ética ganharam força em 2019, quando dois conselheir­os do próprio CNMP apresentar­am um anteprojet­o a respeito do tema.

Na justificat­iva, afirmavam que sua formulação ia “em direção ao aumento da confiança depositada pela sociedade na instituiçã­o que zela pela promoção da Justiça”.

Esse anteprojet­o, no entanto, aguarda em instâncias internas do CNMP desde então. Atualmente está na Ouvidoria do órgão.

A própria PGR também já publicou, por meio de portaria de 2017, o seu próprio Código de Ética e Conduta.

A norma, no entanto, vale apenas para servidores, e não para procurador­es. Além do CNMP, promotores e procurador­es também são fiscalizad­os pelas corregedor­ias.

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Divulgação - 13.out.21/AMP-RS Ato em Porto Alegre contra a proposta de emenda que amplia influência política no CNMP

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