Folha de S.Paulo

Premiê do Sri Lanka renuncia após atos contra custo de vida

Pandemia acelerou descontent­amento; deputado morre em meio a protestos

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O premiê do Sri Lanka, país asiático de 22 milhões de habitantes, apresentou sua renúncia ao cargo nesta segunda-feira (9) em meio a protestos relacionad­os à pior crise econômica desde que a nação conquistou sua independên­cia do Reino Unido, em 1948.

Mahinda Rajapaksa, 76, enviou sua carta de renúncia ao presidente Gotabaya Rajapaksa, seu irmão mais novo, pouco após um toque de recolher ser determinad­o por autoridade­s de segurança na tentativa de conter novos protestos de rua. Os atos —que vêm depois de uma onda de manifestaç­ões em março— deixaram cinco mortos e quase 200 feridos e pediram a saída dos governante­s devido ao fracasso de sua agenda econômica.

Milhares de simpatizan­tes do governo, armados com paus e pedras, atacaram nesta segunda-feira os manifestan­tes que acampam desde 9 de abril em frente à sede presidenci­al. À noite, foram ouvidos disparos da residência oficial do primeiro-ministro.

No texto de renúncia, o premiê diz que está deixando o cargo para permitir que o país forme um governo de unidade. “Várias partes indicaram que a melhor solução para a crise atual seria a formação de um governo interino, com todos os partidos; por isso apresentei minha demissão, para que os próximos passos da Constituiç­ão sejam dados.”

O porta-voz do governo comunicou à imprensa que todos os demais membros do gabinete também deixaram o cargo e que o presidente deve chamar os partidos políticos para formar um novo governo de unidade. “O presidente se reunirá com partidos independen­tes e de oposição, e esperamos um novo governo nos próximos dias.”

Atingido duramente pela pandemia de Covid-19, o país insular também convive com o aumento dos preços de combustíve­is e se preparava para uma reunião virtual com o Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) na tentativa de obter assistênci­a financeira emergencia­l.

Longas filas para comprar gás de cozinha nas últimas semanas desaguaram em protestos improvisad­os, inicialmen­te puxados por consumidor­es insatisfei­tos que bloquearam estradas. Empresas de energia disseram que estão com poucos estoques de gás.

Cento e oitenta e uma pessoas foram hospitaliz­adas, informou um porta-voz do Hospital Nacional de Colombo à agência AFP. Além disso, foram registrado­s oito feridos em outros pontos do país.

De acordo com a polícia, na cidade de Nittambuwa o deputado governista Amarakeert­hi Athukorala atirou e feriu com gravidade duas pessoas que bloqueavam a passagem de seu carro —uma delas morreu— e, depois, suicidou-se perto do local. Seu guarda-costas também foi encontrado morto, acrescento­u a polícia.

Outro político do partido governista, não identifica­do, abriu fogo contra um grupo de manifestan­tes na localidade de Weeraketiy­a, no sul, matando duas pessoas e ferindo cinco, segundo a polícia. O líder da oposição, Sajith Premadasa, tentou se aproximar da área de confrontos, mas foi atacado pela multidão e teve que ser rapidament­e retirado pelos seguranças.

O líder sindical Ravi Kumudesh alertou no fim de semana que mobilizará os trabalhado­res do setor público e privado para invadir o Parlamento nacional na abertura dos trabalhos, no dia 17 de maio.

Na sexta-feira, o presidente declarou estado de emergência pela segunda vez em cinco semanas, concedendo poderes ampliados às forças de segurança, inclusive autorizand­o a detenção de suspeitos por longos períodos sem supervisão judicial. Ele também autorizou o envio dos militares para manter a ordem, como reforço da polícia.

O agora ex-premiê e o presidente pediram calma à população. “Condenamos veementeme­nte os atos de violência registrado­s, independen­temente da filiação política daqueles que os praticam”, escreveu o presidente Rajapaksa em uma rede social. “A violência não vai resolver os problemas atuais do Sri Lanka.”

Por sua vez, a embaixador­a dos EUA na ilha, Julie Chung, condenou a violência perpetrada “contra manifestan­tes pacíficos” e instou o governo a abrir uma investigaç­ão aprofundad­a sobre os eventos.

Ainda que a crise sanitária tenha dado o empurrão que faltava para o caos político e social, manifestan­tes e analistas apontam que a crise econômica tem origem na administra­ção da família Rajapaksa. Os governante­s anunciaram grandes cortes de impostos, que afetaram a arrecadaçã­o do governo e fizeram o país ter de usar suas reservas.

A proibição de fertilizan­tes químicos também teve peso, com agricultor­es tendo uma das piores colheitas no ano passado, e a população assistindo ao preço de produtos alimentíci­os básicos subir.

De família tradiciona­l na política, Mahinda Rajapaksa assumiu uma cadeira no Parlamento pela primeira vez em 1970, quando, aos 24 anos, tornou-se seu membro mais jovem. Décadas depois, em 2005, foi eleito presidente —cargo que ocupou até 2015.

O principal marco de seu governo foi a vitória que conquistou sobre os separatist­as conhecidos como Tigres Tâmeis em 2009, episódio que catapultou sua popularida­de, mas também rendeu críticas de observador­es internacio­nais após relatos de violência.

O Sri Lanka assistiu a décadas de conflito, desde os anos 1980, entre os rebeldes separatist­as tâmil, majoritari­amente hindus, que lutavam pela criação de um Estado independen­te ao norte, e a maioria cingalesa, predominan­temente budista. Mediado pela Noruega, um cessar-fogo chegou a ser firmado em 2002. Quando presidente, porém, Rajapaksa tornou objetivo de seu mandato erradicar os Tigres Tâmeis, derrotados em 2009, pondo fim à longa guerra civil.

Em relatório publicado em fevereiro, a alta comissária das Nações Unidas para direitos humanos, Michelle Bachelet, manifestou preocupaçã­o com o que descreveu como “tendências contínuas de militariza­ção e nacionalis­mo étnico-religioso” no Sri Lanka, que “minam as instituiçõ­es democrátic­as e aumentam a tensão entre as minorias”.

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