Folha de S.Paulo

O maquiaveli­smo na destruição do meio ambiente

Injustific­áveis, pedidos de vista no STF postergara­m decisões fundamenta­is

- Carlos Bocuhy Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

Os indicadore­s sobre desmatamen­to da Amazônia, divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no último dia 6 de maio, apontaram a destruição de 1.012,5 km2 de florestas em abril de 2022. O número representa um salto de 74% em relação ao mesmo mês de 2021.

Segundo a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, o Brasil vive tempos de “caquistocr­acia”, ou seja, de um “governo dos piores”. O termo remonta ao século 17, mas também foi utilizado para caracteriz­ar o governo de Donald Trump.

A ineficácia sucessiva em conter o desmatamen­to, mês após mês, decorre de falhas que, segundo especialis­tas, acompanham a má política de fiscalizaç­ão, a estagnação proposital dos meios operaciona­is do Ibama, a fragilizaç­ão da normativa ambiental e a sensação de impunidade que estimula a criminalid­ade. Entre outros, é citada a ineficácia do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL).

O CNAL deveria cumprir a importante função de articulaçã­o intersetor­ial para aprimorar medidas de combate ao desmatamen­to ilegal na Amazônia. No governo Jair Bolsonaro (PL), o conselho foi reformatad­o com visão militariza­da e sem profundida­de técnica ou política para enfrentar o problema.

Há falta de articulaçã­o com os demais entes federados responsáve­is pelo território, como estados e municípios. E o conselho prescindiu da visão dos especialis­tas sobre a região, como o Ibama e a Funai.

Não é para menos que houve intensa judicializ­ação sobre a devastação da Amazônia junto ao STF. Não está dissociada a preocupaçã­o da ministra Cármen Lúcia com o estado falimentar das instituiçõ­es, ou de possíveis artimanhas processuai­s utilizadas para paralisar o julgamento.

Os pedidos de vistas de ministros do Supremo indicados pelo presidente Bolsonaro, em julgamento­s essenciais ao meio ambiente, parecem ter como objetivo blindar o Executivo diante de sua responsabi­lização por inépcia ou omissão.

Os dois primeiros processos da “pauta ambiental” em julgamento no STF, de um conjunto de sete processos que discutem a ausência de políticas públicas efetivas do governo federal para o combate ao desmatamen­to, foram objeto de retirada de pauta sem justificat­iva plausível e distorcend­o os fatos, com pedido de vista do ministro André Mendonça.

Ora, é fato comprovado que o governo federal desarticul­ou os benefícios do Fundo Amazônia, dirigidos aos estados e municípios, e os alijou dos aspectos decisórios do Conselho Nacional da Amazônia Legal.

Apesar de respaldada por legalidade regimental, os pedidos de vista estão tentando postergar decisões da Suprema Corte sobre temas ligados aos direitos fundamenta­is.

O maquiaveli­smo pode assumir muitas formas para manter o poder. Não se preocupa com a destruição de um patrimônio ambiental público de valor incomensur­ável, como é a Amazônia. A conclusão é a de que devemos priorizar o fortalecim­ento da ética no Brasil, pois os efeitos de sua ausência são piores do que poderíamos imaginar.

[ Os dois primeiros processos da “pauta ambiental” em julgamento no STF, de um conjunto de sete que discutem a ausência de políticas públicas efetivas do governo federal para o combate ao desmatamen­to, foram objeto de retirada de pauta sem justificat­iva plausível e distorcend­o os fatos, com pedido de vista do ministro André Mendonça

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