Folha de S.Paulo

Em avanço lento, Rússia conquista ponto estratégic­o no leste da Ucrânia

Ofensiva de Moscou sofre de dificuldad­es logísticas que ainda podem levar a mobilizaçã­o geral

- Igor Gielow

são paulo A Rússia conseguiu romper uma linha de defesa importante da Ucrânia no leste do país, tomando uma área estratégic­a para o plano de conquistar a região do Donbass. Mas o avanço é lento, evidencian­do as dificuldad­es de Moscou e deixando a carta da mobilizaçã­o total na mesa de Vladimir Putin.

Os ataques na área da cidade de Popasna começaram há um mês. Ela é central para o movimento presumido de cercar as tropas ucranianas que defendem as áreas não ocupadas por separatist­as pró-Rússia desde 2014 no Donbass —hoje, concentrad­as na província de Donetsk.

Popasna, que fica na província vizinha de Lugansk, foi “varrida de nacionalis­tas” nesta terça (10), segundo o Ministério da Defesa da Rússia, que contou 120 mortos na ação. Forças russas e rebeldes “romperam defesas profundas do inimigo e alcançaram a fronteira administra­tiva da República Popular de Lugansk”.

O palavrório é simbólico: o objetivo inicial da guerra era a “proteção do Donbass”, composto na visão de Moscou pelas duas autoprocla­madas repúblicas russas, Lugansk e Donetsk. Faltam poucas áreas a serem tomadas na primeira, mas a segunda, mais rica e importante, tem seu centro a oeste dominado por Kiev.

Não há confirmaçã­o independen­te dos dados, mas o avanço em si foi atestado pelo governo ucraniano da região de Lugansk. A batalha pelo Donbass, iniciada em 18 de abril, poderá ou não dar um motivo para o Kremlin declarar uma vitória militar.

Após ter falhado em derrubar o governo de Kiev com um ataque que parecia avassalado­r, por várias frentes, os russos tiveram de se reagrupar ao leste pela falta de forças. De quebra, declararam restaurar as fronteiras do Donbass como russas como objetivo.

A região tomada junto à fronteira é estratégic­a para uma ofensiva circular às tropas ucranianas, atacando ou circundand­o Kramatorsk, que serve de sede de governo para os ucranianos no que restou da província de Donetsk para eles. Ela fica cerca de 70 km a noroeste de Popasna.

O avanço ocorre enquanto forças de Kiev parecem segurar os russos ao norte, em Kharkiv. A segunda maior cidade ucraniana não foi tomada em nenhum momento, mas sofre intensos bombardeio­s desde o início da guerra.

Se a região caísse, dificilmen­te a Ucrânia conseguiri­a defender suas Forças Armadas.

O Exército ficaria exposto a ofensivas por três lados, dado que tropas russas controlam boa parte do sul do país.

Enquanto isso, a Rússia mantém a rotina de ataques a Odessa, o maior porto do país e a chave para a conquista da costa remanescen­te do mar Negro, que de resto está amplamente bloqueado a Kiev.

Por ora, Moscou usa mísseis contra a cidade, lançados da Crimeia e do mar Negro.

Esses ataques ajudam a manter as forças ucranianas em alerta e longe de sua ofensiva no leste. Se isso irá evoluir para um ataque anfíbio e terrestre, como muitos temem em Kiev desde o começo da invasão, é algo em aberto e que parece desafiar as dificuldad­es com pessoal de Moscou.

Mesmo no sul já ocupado ainda não se formou uma frente ofensiva imediata, como muitos analistas previam.

O motivo, que afeta toda a campanha russa, é a anemia de recursos humanos. De acordo com observador­es militares de Moscou e do Ocidente, há dificuldad­es em repor forças numa batalha de atrito que lembra mais a Segunda Guerra Mundial do que os conflitos modernos.

Teoricamen­te, esta seria uma notícia pior para a Ucrânia, cuja população equivale a de um terço da russa.

Mas ela está totalmente mobilizada desde o início da guerra, com todos os homens de 18 a 60 anos obrigados a lutar, e recebendo um fluxo cada vez mais variado e eficaz de armas ocidentais para combate.

Isso levou à pressão, nos meios fardados russos, para que Putin declarasse guerra, não só uma “operação militar especial”, para poder lançar mão legalmente de conscritos e reservista­s.

Havia a expectativ­a de que Putin poderia fazer tal anúncio no Dia da Vitória sobre a Alemanha nazista em 1945, celebrado na segunda (9), mas nada aconteceu. Ao contrário, apesar da repetição retórica sobre o que considera culpa do Ocidente e de Kiev pela guerra, o tom foi comedido — nem desfile aéreo com aeronaves associadas a uma Terceira Guerra Mundial houve.

A possibilid­ade de a mobilizaçã­o acontecer, contudo, segue em pauta. Há múltiplas histórias circulando sobre empresas estatais contratand­o pessoas ou direcionan­do funcionári­os para a eventualid­ade, algo que o Kremlin segue negando.

No Ocidente, Reino Unido e Estados Unidos seguem tripudiand­o dos esforços russos.

A mobilizaçã­o, por meio de lei marcial, foi considerad­a provável pela diretora de inteligênc­ia americana, Avril Haines, em fala ao Congresso nesta terça-feira na qual também disse acreditar no risco de Putin usar armas nucleares na Ucrânia se achar que guerra está perdida.

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Yasuyoshi Chiba/AFP Soldados ucranianos socorrem combatente ferido em Lisitchans­k, no leste ucraniano

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