Folha de S.Paulo

OMS indica que taxa sueca de mortes é das menores da Europa

Estudo leva em conta excesso de mortalidad­e ligado à Covid; país teve restrições, mas não impôs lockdowns

- Pedro Lovisi

BELO HORIZONTE Evocada em diferentes momentos e lugares, como bom ou mau exemplo, por sua estratégia para lidar com a pandemia de Covid-19, a Suécia teve uma das menores taxas de mortalidad­e pela doença na Europa entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021, segundo um estudo divulgado pela OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) no início deste mês.

O país seguiu rumos muitas vezes contrários aos dos adotados por outras nações do continente. Desde março de 2020, quando registrou o primeiro caso da doença, o governo não decretou lockdowns ou confinamen­tos gerais como forma de conter o avanço do vírus; a preferênci­a foi por fazer recomendaç­ões gerais —ainda assim, museus, eventos esportivos e universida­des tiveram restrições, e restaurant­es chegaram a ser fechados porque descumprir­am regras de distanciam­ento.

O uso obrigatóri­o de máscaras não foi determinad­o nem mesmo no início de 2022, quando o país registrou o pico de contaminaç­ões: à época, a taxa era superior a 4.000 novos casos diários por 1 milhão de habitantes —a média do Brasil não passou de 900, segundo a Our World in Data.

O levantamen­to mais recente da OMS leva em conta o critério de “excesso de mortalidad­e”, visto por vários especialis­tas como o mais eficiente para analisar o impacto real da Covid na população. Na prática, o índice é calculado como a diferença entre o número de mortes em dado período e o que seria esperado na ausência da pandemia, com base em dados de anos anteriores.

No caso sueco, a pesquisa chegou a uma taxa média de excesso de mortalidad­e de 56 mortes por 100 mil habitantes. O número é inferior aos registrado­s em países europeus que adotaram duras políticas de isolamento social, como França (63), Espanha (111), Alemanha (116) e Itália (133).

Por outro lado, os suecos perdem na comparação com os vizinhos escandinav­os: a Dinamarca contabiliz­ou excesso de 32 mortes por 100 mil, e a Noruega nem chegou a registrar mais mortes do que a média de anos anteriores. Os dois países adotaram restrições severas para conter o avanço da pandemia e chegaram a criticar a posição de Estocolmo.

De acordo com especialis­tas ouvidos pelo jornal britânico The Telegraph, o fato de a Suécia ter taxas mais baixas de obesidade —condição que é fator de risco para casos mais graves de Covid-19— e um sistema de saúde com melhores recursos pode ter contribuíd­o para que o país tenha um dos menores índices da Europa.

Pesa também nos números a rápida campanha de vacinação no país. No final de agosto de 2021, por exemplo, quando menos de 30% da população brasileira tinha o primeiro ciclo vacinal completo contra a Covid-19, mais da metade dos suecos já haviam recebido a segunda dose do imunizante.

O epidemiolo­gista Carlos Starling, consultor da Sociedade Brasileira de Infectolog­ia, pondera que a comparação do excesso de mortalidad­e em países diferentes precisa levar em conta outros fatores, como renda per capita, a capacidade assistenci­al do país e caracterís­ticas populacion­ais.

Uma comparação que não filtra tais aspectos, segundo ele, seria frágil e enviesada. “A Suécia foi um dos países que registrara­m um dos maiores índices de negacionis­mo na pandemia, junto com o Reino Unido —no início—, os EUA sob [Donald] Trump e o Brasil”.

De acordo com a OMS, o excesso de mortalidad­e inclui mortes associadas direta e indiretame­nte à Covid-19. Entre estas estão, por exemplo, óbitos de pacientes que sofriam de outras doenças e não conseguira­m vagas em hospitais devido à sobrecarga provocada pelo coronavíru­s.

O número estimado de mortes em excesso pode ser influencia­do também, segundo a organizaçã­o, pelas mortes evitadas, já que medidas de contenção ao Sars-CoV-2 se refletiram em riscos menores associados a determinad­os eventos, como acidentes de trânsito ou de trabalho.

Ao todo, o mundo registrou um excesso de 14,9 milhões de mortes nesses dois anos de crise sanitária (na margem, de 13,3 milhões a 16,6 milhões), número bem superior ao reportado oficialmen­te pelos países. De acordo comaplat aforma OurWorld in Data, por exemplo, cerca de 6,25 milhões de pessoas já morreram por Covid-19 desde o início da pandemia.

“A medição do excesso de mortalidad­e é um componente essencial para entender o impacto da pandemia”, disse Samira Asma, diretora-geralassis­tente de dados, análises e entrega da OMS, na apresentaç­ão do estudo. “Devido aos investimen­tos limitados em sistemas de dados em muitos países, a verdadeira extensão do excesso de mortalidad­e geralmente permanece oculta.”

A maioria das mortes em excesso (84%) está concentrad­a no Sudeste Asiático, na Europa e no continente americano. Além disso, segundo a OMS, cerca de 68% das mortes em excesso acontecera­m em apenas dez países, incluindo Estados Unidos, Rússia e Índia.

Os países de renda média respondem por 81% das mortes em excesso no mundo. O Brasil aparece com um excesso de 160 mortes por 100 mil habitantes, e a Argentina tem 99.

Países mais ricos e mais pobres representa­m, respectiva­mente, 15% e 4% dos excessos.

Ainda na linha de comparaçõe­s, o número global de mortes foi maior para homens do que para mulheres (57% e 43%, respectiva­mente).

Em outubro, uma comissão independen­te nomeada pelo próprio governo criticou a estratégia sue capara lidar coma crise sanitária. O estudo apontou que as ações foram lentas e insuficien­tes .“A escolha sueca enfatizou medidas de controle baseadas no voluntaris­mo ena responsabi­lidade individual, em vez de medidas interventi­vas”, diz o relatório.

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