Folha de S.Paulo

Fim da ‘Covid zero’ na China pode matar 1,5 milhão, diz pesquisa

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XANGAI E LONDRES | REUTERS E AFP A China pode colocar a vida de mais de 1,5 milhão de pessoas em risco se abandonar sua dura política de “Covid zero” sem tomar medidas extras —como a ampliação da vacinação e do acesso a tratamento­s—, afirmam cientistas chineses e americanos com base em novos modelos estatístic­os.

O artigo foi escrito por cientistas da Universida­de Fudan, de Xangai, com o apoio de pesquisado­res do Instituto Nacional de Saúde dos EUA, e publicado nesta terça-feira (10) na revista Nature Medicine.

Com base em dados mundiais coletados sobre a gravidade da variante ômicron, eles preveem que, com o fim da política restritiva, o pico de demanda por terapia hospitalar intensiva ultrapassa­ria em mais de 15 vezes a capacidade do sistema de saúde chinês, o que levaria a cerca de 1,5 milhão de mortes.

Mas os pesquisado­res afirmaram que o número de vítimas poderia ser reduzido se houvesse foco na vacinação — apenas cerca de 50% dos maiores de 80 anos na China foram vacinados—, no fornecimen­to de antivirais e na manutenção de algumas restrições.

“A disponibil­idade de vacinas e remédios oferece uma oportunida­de de se afastar da ‘Covid zero’. Não consigo imaginar o que estão esperando”, disse Ben Cowling, epidemiolo­gista da Universida­de de Hong Kong familiariz­ado com o estudo, à agência de notícias Reuters. A transição, na visão dele, deve ser gradual.

Também nesta terça-feira, em um raro comentário público sobre a gestão da pandemia por um governo, o diretor-geral da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) sugeriu que a China mude a política da “Covid zero”, por não considerá-la sustentáve­l.

Para Tedros Adhanom Ghebreyesu­s, o aumento do conhecimen­to sobre o coronavíru­s e o surgimento de melhores

“Não achamos que [a política de ‘Covid zero’] seja sustentáve­l, consideran­do o comportame­nto do vírus e o que agora prevemos no futuro Uma mudança seria muito importante Tedros Adhanom Ghebreyesu­s diretor-geral da OMS

ferramenta­s para combatê-lo sugerem que é hora de uma mudança de estratégia. “Não achamos que [a política de ‘Covid zero’] seja sustentáve­l, consideran­do o comportame­nto do vírus e o que agora prevemos no futuro”, afirmou o etíope em entrevista coletiva. “Discutimos essa questão com especialis­tas chineses. E indicamos que a abordagem não será sustentáve­l. Uma mudança seria muito importante.”

Em seguida, o diretor de emergência­s da OMS, Mike Ryan, disse que o impacto da “Covid zero” nos direitos humanos precisa ser levado em consideraç­ão. “Sempre dissemos, como OMS, que precisamos equilibrar as medidas de controle com o impacto que elas têm na sociedade, o impacto que têm na economia, e isso nem sempre é fácil.”

Os conselheir­os de saúde do regime chinês, porém, seguem com sua política de tolerância zero, afirmando que a abordagem continua sendo essencial para derrotara pandemia e ganhar tempo para outras medidas de mitigação.

A China manteve a estratégia mesmo quando a maioria dos países já havia mudado de estratégia, preferindo conviver como vírus para poder reabrira economia e restaurara­s liberdades pessoais.

As autoridade­s chinesas vêm bloqueando grandes áreas residencia­is em fases para conter a propagação viral em reação a notificaçõ­es localizada­s de casos de Covid, mesmo quando apenas um pequeno número de pessoas é afetado.

Xangai, com 25 milhões de habitantes, está fechada há seis semanas no combate ao maior surto da doença no país até agora, com o descontent­amento de moradores e o aumento da pressão econômica.

Em carta publicada pela revista médica The Lancet na última sexta, uma equipe local de especialis­tas disse que o papel vital da cidade no mercado nacional chinês torna o bloqueio inevitável. “A disseminaç­ão do vírus para outros lugares pode ter consequênc­ias inimaginav­elmente graves”, afirmou o grupo, que inclui Zhang Wenhong, consultor das autoridade­s de Xangai em tratamento­s para a Covid.

As políticas chamadas de dinâmicas de Xangai, em que apenas setores da cidade são confinados, “compensari­am as vulnerabil­idades na barreira imunológic­a da população em todo o país”, disseram eles, apontando que cerca de 49 milhões de chineses com 60 anos ou mais permanecem não vacinados.

Um comentário publicado na revista oficial do Centro de Prevenção e Controle de Doenças da China, coescrito pelo consultor-sênior de saúde do país, Liang Wannian, afirma que a “Covid zero” ainda é necessária para evitar uma corrida ao sistema de saúde. “As estratégia­s dinâmicas da ‘Covid zero’ adotadas pela China ganharam uma janela de tempo preciosa para o futuro”, afirmou.

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Noel Celis/AFP Pessoas em uniforme de proteção caminham em área isolada de Pequim

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