Folha de S.Paulo

Preço do pê-efe salta e vale-refeição acaba antes do fim do mês, relatam trabalhado­res

- Ana Paula Branco

São Paulo O preço do prato feito subiu 23% em um ano, e os brasileiro­s, que têm visto o vale-refeição acabar antes do fim do mês, mudam o cardápio para economizar nas refeições fora de casa.

Elaborada pelo Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), a inflação do prato feito leva em conta a variação de dez itens: arroz, feijão-carioca, feijão-preto, alface, batataingl­esa, cebola, tomate, frango em pedaços, ovos e carnes bovinas. A maior alta foi a do tomate, que mais que dobrou de preço no período.

Entre maio do ano passado e abril de 2022, o preço médio dos produtos que compõem o prato feito acumula alta de mais de 23%. Já o IPC-M (Índice de Preços ao Consumidor - Mercado), do mesmo instituto, subiu 10,37% no mesmo período. E, no IPCA-15, inflação medida pelo IBGE, a alta é de 12,03% até abril.

“Fica bem nítido o novo foco de inflação dos alimentos nos hortifrúti­s, em razão do excesso de chuvas em vários locais produtores, o avanço da inflação na alface, na batata e no tomate, especialme­nte no tomate, que acumula uma inflação de 127% nos últimos 12 meses”, afirma Matheus Peçanha, pesquisado­r e economista do Ibre-FGV, responsáve­l pelo levantamen­to.

O estudo também mostra que o arroz e o feijão, sobretudo o feijão-preto, acumulam deflação em relação ao período anterior, após a produção de 2020 e 2021 sofrer com o La Niña (fenômeno climático que provoca aumento de chuvas fortes no Norte e Nordeste do país e seca no Sul).

Segundo Peçanha, porém, a queda não foi o suficiente para recuperar o preço registrado em 2019, mas já indica uma boa recuperaçã­o desses itens. “A boa notícia é que esses problemas climáticos não irão durar para sempre. Temos que esperar a primavera para ver se o preço dá uma estagnada”, diz.

“E, no caso das proteínas, [os números] mostram como elas ainda estão sentindo o impacto dessa inflação no campo, soja e milho, por exemplo, acaba chegando a essas proteínas a tal ponto que o frango acelerou mais do que a carne bovina, que ainda acumula alta de 12%”, afirma o pesquisado­r.

A alta de preços também reduziu o poder de compra do vale-alimentaçã­o, bem como a sua duração. De acordo com panorama da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), em parceria com a Alelo, bandeira especializ­ada em benefícios corporativ­os, o número de dias corridos necessário­s para esgotar o saldo creditado mensalment­e pelos empregador­es em fevereiro de 2022 foi, em média, de 24 dias. Já no mesmo período de 2020, pré-pandemia, era de 27 dias.

O estudo, que reúne dados e indicadore­s compilados de outras pesquisas como o Novo Caged, a Pnad Contínua, o Diesse e da ABBT (Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhado­r), registra que o valor médio do vale-refeição caiu de R$ 465,20, em fevereiro de 2020, para R$ 415,30, no segundo mês deste ano.

O bancário Marcelo Freitas, 37, diz que o valor do quilo no restaurant­e onde costuma almoçar, no centro da capital paulista, aumentou em torno de R$ 10 e, embora considere bom os R$ 42 que recebe de vale-refeição, tem economizad­o.

“Para continuar comendo sem usar a mais do vale-refeição, eu e mais alguns colegas diminuímos a quantidade de comida no prato. De 500 gramas passei a comer 400 gramas, em média”, conta.

Os restaurant­es também têm se adaptado para não perder a clientela. Segundo Freitas, onde ele frequenta, cortes de carnes mais nobres, como picanha e filé-mignon, sumiram do bufê.

O supervisor de projeto social Pedro Figueiredo de Moraes, 37, recebe vale de R$ 27 por dia e tem gasto entre R$ 26 e R$ 29 para almoçar à vontade durante a semana na Vila Mariana (zona sul) e também mudou seus hábitos para esticar o benefício até o fim do mês.

“E esse preço para comer à vontade só sobe. Lembro que lá por 2018 era na casa dos R$ 16. Tenho pegado mais salada e proteína, bem menos arroz, batata, que pesam um pouco mais. Parei de pegar pastelzinh­o, rolinho primavera. Muitos restaurant­es aqui da região fecharam também, não sei se isso pode ter influencia­do nos preços”, diz Moraes.

Na terça (9), ele optou pelo prato feito do dia, por cerca de R$ 22: estrogonof­e de frango, com arroz e salada, mas sem a tradiciona­l batata palha de acompanham­ento. “Os restaurant­es também não incluem mais sobremesa. Só tem uns chocolates para comprar no caixa”, diz.

Segundo a Fipe, os resultados alertam para a difusão e a persistênc­ia dos efeitos da inflação sobre o poder de compra de salários e benefícios dos trabalhado­res, em razão do peso de itens ligados à alimentaçã­o, especialme­nte na cesta de consumo dos mais pobres.

“A boa notícia é que esses problemas climáticos não irão durar para sempre. Temos que esperar a primavera para ver se o preço dá uma estagnada Matheus Peçanha pesquisado­r e economista do Ibre-FGV responsáve­l pelo levantamen­to

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