Folha de S.Paulo

Quanto custaria o golpe de Bolsonaro?

Figuras do mercado financeiro comentam efeito econômico de um ataque à eleição

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA)

Quanto custaria um golpe de Jair Bolsonaro, na conta de calculista­s do mercado financeiro, aqueles que estimam preços de dólar, ações, títulos do governo ( juros), inflação ou administra­m dinheirão?

A pergunta causa riso nervoso ou reações do tipo “cara, não tenho como falar disso”. Mas, com promessa de anonimato, sai alguma coisa.

Para facilitar a conversa, este jornalista chamou de golpe a mera tentativa de desrespeit­ar o resultado das urnas.

Um economista de um grande banco diz que “uma consultori­a política que ouvimos” alerta para “algum” risco de violência na eleição, também institucio­nal, mas a hipótese “não está nos nossos cenários” (isto é, hipótese que sirva para calibrar projeções econômicas).

No entanto, diz esse economista, essa “percepção de que 2023 é muito nebuloso, talvez até um pouco por isso que você está dizendo [golpe], já afeta preços de alguma maneira, mas não vi ninguém que tenha isolado isso, colocado como risco explícito”. Mas “é uma preocupaçã­o que ouvimos no exterior, até porque rupturas, incerteza institucio­nal, ou quebras em governança são levadas a sério, até por meio de cláusulas formais, de contratos”.

Se fosse instado a colocar esse risco na conta, o que faria? “É um evento difícil até de definir. É ameaça? Tentativa frustrada? Dura quanto? É regime autoritári­o? Acho que temos até poucas referência­s [dados], mas é uma tragédia para tudo, um destino sombrio.”

Um administra­dor de dinheiro grosso de brasileiro­s diz que “a resposta é óbvia, claro que tem choque”.

Já pensou em estimar o impacto desse risco? “Não, mas veja um desenvolvi­mento dessa situação, a reação externa: podem vir sanções, de governo ou de empresas, fuga de investimen­to por conta. Mesmo que um indivíduo bobão aí no Brasil não pense nisso, vai balançar tudo, vai bater nele também. Pode ser pior: e se a coisa descer para a rua, manifestaç­ões, virar briga, bagunça geral, tiro?”

“Para facilitar”, outro gestor de investimen­tos compara a situação de golpe com a de riscos mais corriqueir­os.

“A incerteza sobre o próximo governo, o fiscal etc., já está em parte no preço, até o Banco Central disse, mas acho que muita gente, BC inclusive, subestima o quanto a situação pode piorar na campanha [prognóstic­os piores para dólar, inflação, juros]. Em um cenário de deterioraç­ão institucio­nal, você sabe ainda menos o que será de reformas, do fiscal [gasto e dívida públicos], das estatais, se pode ter intervençã­o em preços e em negócios, o que vai ser da estabilida­de no Congresso e sei lá até o que vira a autonomia do BC.”

Até aí, tudo mal, mas o sabido. E golpe? “Então, extrapole, multipliqu­e esse problema que descrevi. Uma inseguranç­a jurídica fundamenta­l vai causar um choque maior. Não sei dizer nada além disso. Só sei que a possibilid­ade de ruptura com o regime fiscal, sem colocar algo crível no lugar, já é bem ruim e afeta a economia desde 2020, que dirá coisa muito pior.”

O segundo gestor, que trabalha também fora do Brasil, trata também da hipótese “autoritári­o sem golpe”.

“Imagine um presidente com mais poder, que avançou nos limites institucio­nais, não vou dar um nome [para o presidente], que conseguiu derrubar algumas resistênci­as. Se é um nacionalis­ta autoritári­o, não vai ter reforma, não vai ter segurança para investidor, para cidadão nenhum, todo o mundo já viu isso em outros países. E até o Mercosul vai retaliar. Imagina OCDE, Europa. Mesmo com um mundo cheio de problemas, não sãs os anos 60 [do século passado], bota uma ditadura pró-business e pronto, o que, aliás, dá errado. Isso é uma loucura total, o suicídio do Brasil.”

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