Novo plano pode inviabilizar venda da Eletrobras em 2022
Antecipar recursos para aliviar tarifa, como quer Bolsonaro, exige mudança legal
Brasília O plano de privatizar a Eletrobras neste ano corre o risco de ser frustrado caso o governo vá em frente com a ideia de mudar as regras do processo de venda para usar R$ 32 bilhões do dinheiro no abatimento de contas de energia elétrica em 2022.
A ideia de Bolsonaro em mudar os rumos da privatização surge para tentar conter a inflação, que segue em alta e tem afetado a popularidade do presidente.
A capitalização, prevista para este ano, está sob a avaliação do TCU (Tribunal de Contas da União), que deve dar seu parecer no dia 18. No entanto, a proposta que passou a ser estudada pelo governo é diferente daquela encaminhada ao órgão de controle.
A avaliação da área técnica da corte de contas é que, se houver mudanças em uma vírgula sequer, a chance de concluir o plano ainda em 2022 será sepultada.
Como mostrou a Folha ,ogoverno agora estuda abrir mão de receber à vista R$ 25 bilhões no pagamento a ser feito pela Eletrobras ao Tesouro em outorgas pela privatização, conforme estabelecido na proposta submetida ao Congresso em análise pelo TCU.
Agora, esse valor passaria a ser pago ao longo de cinco anos, enquanto os R$ 32 bilhões devidos à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), espécie de fundo que amortece impactos tarifários nas contas de luz, passariam a ser depositados à vista.
Isso também representa mudança em relação à proposta enviada ao Congresso, que previsa que esse valor seria parcelado em cinco anos, com a previsão de R$ 5 bilhões pagos antecipadamente neste ano. Na sua análise, o TCU já disse que não aceitaria nenhum valor acima desse teto caso haja antecipação desse pagamento.
Após a notícia, ministros do TCU consultaram a área técnica envolvida na avaliação do modelo de privatização.
Os especialistas foram unânimes em afirmar que a alteração pretendida pelo Palácio do Planalto exigirá a edição de novas diretrizes legais e um novo envio da proposta ao TCU. Ou seja: dificilmente seria aprovado neste ano, e a privatização ficaria como herança para o próximo governo.
Para os técnicos do tribunal, não há impedimento legal caso o governo queira por conta própria direcionar todo o valor da outorga, que já tem previsão de ir para o caixa do Tesouro, para a CDE. Esse seria um aporte do Tesouro na conta que banca os subsídios da conta de luz, sem relação direta com a privatização.
No entanto, essa despesa precisaria estar no Orçamento e ficaria sujeita ao teto de gastos —regra fiscal que limita o avanço das despesas à variação da inflação.
Hoje não há sobra fiscal dentro do teto, o que demandaria cortes em outras áreas para abrir caminho à CDE. Os técnicos não veem justificativa para a abertura de crédito extraordinário, instrumento previsto para situações urgentes e imprevisíveis, dado que os reajustes tarifários de energia eram previsíveis.
Outro ponto que tem sido ressaltado no TCU é que a resolução do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) determina correção dos valores da CDE pelo IPCA durante o prazo de cinco anos previsto para o pagamento. Seria necessário, portanto, calcular esse impacto para atualizar o valor à vista, caso haja formalização da nova proposta.
Isso também acarretaria correção sobre as parcelas a serem pagas pelas concessionárias de geração de energia na bacia do São Francisco, que terão de destinar R$ 350 milhões anuais pelo prazo de dez anos atualizados pela inflação.
O Ministério de Minas e Energia foi pego de surpresa pelas notícias e divulgou nota nesta terça-feira (10) negando alteração na proposta submetida ao Congresso e ao TCU. “A esse respeito, o que se conhece é o pleito apresentado por agentes de geração que buscam [...] prever a possibilidade de prorrogação de contratos de geração”, diz a nota.
O ministério diz ainda que “não tratou com o relator de nenhuma emenda ao PL 414/21, que altere a lei que trata das diretrizes do processo de capitalização da Eletrobras”.
No Ministério da Economia, o titular Paulo Guedes avançou nas conversas com o Tesouro para saber da possibilidade de fazer essa troca.
Segundo interlocutores do ministro, a ideia inicial era manter o plano original —R$ 25 bilhões pagos à vista pelas outorgas e R$ 32 bilhões parcelados em cinco anos à CDE.
Mas, para atender ao pleito eleitoreiro de Bolsonaro, que pretende usar os R$ 32 bilhões da CDE para reduzir a fatura de energia dos brasileiros, Guedes deu aval para o novo plano, desde que haja concordância do Tesouro.
O órgão estuda agora se é viável esperar um pouco mais para receber os valores sem comprometer o balanço fiscal.
A pressão cresceu após uma proposta de decreto legislativo na Câmara tentar impedir o reajuste na conta de luz do Ceará. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), afirmou que a discussão deve incluir outros estados com reajustes acima de 15%.