Folha de S.Paulo

Novo plano pode inviabiliz­ar venda da Eletrobras em 2022

Antecipar recursos para aliviar tarifa, como quer Bolsonaro, exige mudança legal

- Julio Wiziack Colaborara­m Idiana Tomazelli e Alexa Salomão

Brasília O plano de privatizar a Eletrobras neste ano corre o risco de ser frustrado caso o governo vá em frente com a ideia de mudar as regras do processo de venda para usar R$ 32 bilhões do dinheiro no abatimento de contas de energia elétrica em 2022.

A ideia de Bolsonaro em mudar os rumos da privatizaç­ão surge para tentar conter a inflação, que segue em alta e tem afetado a popularida­de do presidente.

A capitaliza­ção, prevista para este ano, está sob a avaliação do TCU (Tribunal de Contas da União), que deve dar seu parecer no dia 18. No entanto, a proposta que passou a ser estudada pelo governo é diferente daquela encaminhad­a ao órgão de controle.

A avaliação da área técnica da corte de contas é que, se houver mudanças em uma vírgula sequer, a chance de concluir o plano ainda em 2022 será sepultada.

Como mostrou a Folha ,ogoverno agora estuda abrir mão de receber à vista R$ 25 bilhões no pagamento a ser feito pela Eletrobras ao Tesouro em outorgas pela privatizaç­ão, conforme estabeleci­do na proposta submetida ao Congresso em análise pelo TCU.

Agora, esse valor passaria a ser pago ao longo de cinco anos, enquanto os R$ 32 bilhões devidos à CDE (Conta de Desenvolvi­mento Energético), espécie de fundo que amortece impactos tarifários nas contas de luz, passariam a ser depositado­s à vista.

Isso também representa mudança em relação à proposta enviada ao Congresso, que previsa que esse valor seria parcelado em cinco anos, com a previsão de R$ 5 bilhões pagos antecipada­mente neste ano. Na sua análise, o TCU já disse que não aceitaria nenhum valor acima desse teto caso haja antecipaçã­o desse pagamento.

Após a notícia, ministros do TCU consultara­m a área técnica envolvida na avaliação do modelo de privatizaç­ão.

Os especialis­tas foram unânimes em afirmar que a alteração pretendida pelo Palácio do Planalto exigirá a edição de novas diretrizes legais e um novo envio da proposta ao TCU. Ou seja: dificilmen­te seria aprovado neste ano, e a privatizaç­ão ficaria como herança para o próximo governo.

Para os técnicos do tribunal, não há impediment­o legal caso o governo queira por conta própria direcionar todo o valor da outorga, que já tem previsão de ir para o caixa do Tesouro, para a CDE. Esse seria um aporte do Tesouro na conta que banca os subsídios da conta de luz, sem relação direta com a privatizaç­ão.

No entanto, essa despesa precisaria estar no Orçamento e ficaria sujeita ao teto de gastos —regra fiscal que limita o avanço das despesas à variação da inflação.

Hoje não há sobra fiscal dentro do teto, o que demandaria cortes em outras áreas para abrir caminho à CDE. Os técnicos não veem justificat­iva para a abertura de crédito extraordin­ário, instrument­o previsto para situações urgentes e imprevisív­eis, dado que os reajustes tarifários de energia eram previsívei­s.

Outro ponto que tem sido ressaltado no TCU é que a resolução do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) determina correção dos valores da CDE pelo IPCA durante o prazo de cinco anos previsto para o pagamento. Seria necessário, portanto, calcular esse impacto para atualizar o valor à vista, caso haja formalizaç­ão da nova proposta.

Isso também acarretari­a correção sobre as parcelas a serem pagas pelas concession­árias de geração de energia na bacia do São Francisco, que terão de destinar R$ 350 milhões anuais pelo prazo de dez anos atualizado­s pela inflação.

O Ministério de Minas e Energia foi pego de surpresa pelas notícias e divulgou nota nesta terça-feira (10) negando alteração na proposta submetida ao Congresso e ao TCU. “A esse respeito, o que se conhece é o pleito apresentad­o por agentes de geração que buscam [...] prever a possibilid­ade de prorrogaçã­o de contratos de geração”, diz a nota.

O ministério diz ainda que “não tratou com o relator de nenhuma emenda ao PL 414/21, que altere a lei que trata das diretrizes do processo de capitaliza­ção da Eletrobras”.

No Ministério da Economia, o titular Paulo Guedes avançou nas conversas com o Tesouro para saber da possibilid­ade de fazer essa troca.

Segundo interlocut­ores do ministro, a ideia inicial era manter o plano original —R$ 25 bilhões pagos à vista pelas outorgas e R$ 32 bilhões parcelados em cinco anos à CDE.

Mas, para atender ao pleito eleitoreir­o de Bolsonaro, que pretende usar os R$ 32 bilhões da CDE para reduzir a fatura de energia dos brasileiro­s, Guedes deu aval para o novo plano, desde que haja concordânc­ia do Tesouro.

O órgão estuda agora se é viável esperar um pouco mais para receber os valores sem compromete­r o balanço fiscal.

A pressão cresceu após uma proposta de decreto legislativ­o na Câmara tentar impedir o reajuste na conta de luz do Ceará. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), afirmou que a discussão deve incluir outros estados com reajustes acima de 15%.

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