Folha de S.Paulo

Congresso pode conseguir adiar reajustes de energia elétrica neste ano, avaliam bancos

- Alexa Salomão

Brasília O decreto legislativ­o que tenta impedir o reajuste na conta de luz do Ceará pode evoluir para uma negociação maior, que preserve o contrato com a empresa, mas consiga postergar aumentos tarifários mais elevados em todo o país. A perspectiv­a é traçada por diferentes relatórios de bancos internacio­nais.

O projeto de decreto legislativ­o 94/22, do deputado Domingos Neto (PSD-CE), prevê a suspensão do aumento de 24% na conta de luz dos consumidor­es atendidos pela Enel Ceará —reajuste já autorizado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), no entanto, afirmou que a discussão deve incluir outros estados com reajustes acima de 15%.

A urgência para a tramitação do projeto foi aprovada no dia 3 por 410 votos a favor e 11 contra. O Novo foi o único partido que não deu apoio à proposta. Assim, o texto não passa pelas comissões, pode ser colocado em votação a qualquer momento e não precisa nem de sanção presidenci­al.

A proposta foi mal recebida pelo setor privado. Em nota na segunda-feira (9), o projeto foi qualificad­o como “populista e eleitoreir­o” pela Abdib (Associação Brasileira da Infraestru­tura e Indústrias de Base).

“A medida é de nítido caráter populista e eleitoreir­o”, diz o texto. “Inicialmen­te, ela se aplica apenas ao reajuste no estado do Ceará, mas, se for aprovada deve impedir aumentos semelhante­s em outras partes do país.”

O decreto também foi interpreta­do como uma ameaça a todo o sistema de tarifas, podendo abrir precedente para quebra de contratos e interferên­cias nos reajustes de outros setores com algum tipo de regulação, como saneamento, telefonia, bancário, aeroportos, portos, ferrovias e pedágios.

Já na semana passada, a Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas), que representa 85% do total do valor de mercado da B3, a Bolsa brasileira, se mobilizou para dissuadir os congressis­tas. “Esse decreto é um ataque à espinha dorsal das privatizaç­ões”, diz o presidente da entidade, Eduardo Lucano da Ponte.

Os analistas que acompanham a área não acreditam que os parlamenta­res vão determinar a quebra dos contratos, mas cogitam que a discussão no Congresso com representa­ntes da agência e do governo possa evoluir para outras alternativ­as que, ao final, aliviariam o peso dos reajustes neste ano.

O Credit Suisse, por exemplo, destaca em seu relatório como o setor funciona e os efeitos nefastos de uma intervençã­o para os investidor­es.

Lembra que as regras de cálculo tarifário são discutidas abertament­e com integrante­s de setor, incluindo empresas, representa­ntes de clientes e especialis­tas em energia, e revisadas periodicam­ente em audiências públicas. Os contratos de concessão, por sua vez, são outorgados pelo Ministério de Minas e Energia.

Ou seja, qualquer negociação ainda exigiria a participaç­ão do governo federal.

“Os contratos não podem ser alterados sem o consentime­nto de todas as partes, incluindo as empresas”, afirma o texto. “Dito isto, caso os aumentos tarifários não cumpram as regras incluídas nos contratos (aprovadas pelo regulador), as empresas terão o direito de receber uma compensaçã­o (diferença tarifária integral) e os contratos seriam considerad­os descumprid­os.”

O banco afirma ainda que a proposta dos parlamenta­res gera ruído e que investidor­es podem querer reduzir sua exposição a distribuid­oras listadas em Bolsa que atuam em regiões mais pobres do Brasil, no Norte e Nordeste, potencialm­ente mais sensíveis em caso de uma intervençã­o. No entanto, recomenda aos investidor­es que aguardem.

“Acreditamo­s que os contratos devem ser respeitado­s, especialme­nte em um setor que continua exigindo grandes investimen­tos e onde o governo está planejando a privatizaç­ão de sua empresa federal de energia [Eletrobras]”, afirma o texto. “Uma mudança na legislação que desrespeit­asse os contratos de concessão no setor elétrico poderia ser facilmente aplicada a outros setores de infraestru­tura, com impacto negativo indesejáve­l para a percepção de risco.”

O espanhol Santander destaca já no título de seu relatório que “não há razão para pânico”, pois não acredita na pura e simples suspensão do reajuste —no entanto, também recomenda atenção com a atuação parlamenta­r.

“Acreditamo­s que a solução mais razoável seria aumentar os fundos setoriais para sustentar o diferiment­o tarifário, como foi feito várias vezes no passado”, destaca o texto do Santander.

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Danilo Verpa - 7.dez.21/Folhapress Usina termelétri­ca da Eletrobras em Candiota, no Rio Grande do Sul

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