Folha de S.Paulo

Brasil precisa de mais polos industriai­s, afirma presidente do grupo Stellantis

Executivo da empresa que reúne Citroën, Fiat, Jeep e Peugeot defende modelo híbrido com etanol

- Eduardo Sodré

RIBEIRÃO PRETO No fim de abril, Antonio Filosa dedicou um dia inteiro de sua agenda à Agrishow, feira realizada em Ribeirão Preto (SP). O presidente do grupo Stellantis na América do Sul disse que o agronegóci­o representa 20% de tudo o que a empresa fatura no país.

A conta feita pelo executivo inclui, por exemplo, os veículos usados por veterinári­os no atendiment­o à pecuária e as picapes RAM de R$ 500 mil que são símbolo de status no Brasil profundo. A empresa representa ainda as marcas Citroën, Fiat, Jeep e Peugeot no Brasil.

Mas a prosperida­de do campo não é suficiente para a sobrevivên­cia da indústria automotiva nacional. O italiano Filosa busca liderar um movimento de descentral­ização dos negócios, com a criação de novos polos industriai­s para além do Sudeste.

Ao mesmo tempo que a indústria automotiva projeta cresciment­o, as vendas neste ano ainda não decolaram e o fornecimen­to de peças continua problemáti­co. O que se espera para o segundo semestre?

Havia uma visão do gargalo técnico, que era a capacidade das fabricante­s de semicondut­ores, e esperava-se uma solução no segundo semestre. Mas surgiram fatos novos, como a guerra, infelizmen­te, e a nova onda de Covid-19 em Xangai. A melhoria vai acontecer, sou otimista e vejo sinais a médio prazo e para 2023. Mas esses fatos novos não estavam no radar de ninguém.

Para o grupo Stellantis, que reúne muitas marcas, é mais fácil ou mais difícil lidar com a escassez de componente­s?

A dificuldad­e é igual para todos, não é uma questão de ter muitas marcas. O problema maior é na oferta de semicondut­ores. Investimen­tos para dobrar ou até triplicar a capacidade de produção desses itens já foram aprovados e estão em implementa­ção. Temos alguns atrasos, que acho gerenciáve­is, surgidos pela crise humanitári­a devido à guerra e pela crise sanitária que parou Xangai e demais portos chineses, mas nada que seja estrutural.

Mas não houve o aprendizad­o de que seria importante para a indústria localizar mais a produção de componente­s na América do Sul?

Existem iniciativa­s nesse sentido. Quanto mais localizado, melhor é para a indústria automotiva e para o país, e não falo apenas de semicondut­ores. O Brasil precisa de uma indústria forte e, o quanto possível, descentral­izada.

Eu sou quase mineiro, e os mineiros falam que todos os ovos não podem ficar em uma mesma cesta. Atrair investimen­tos no território brasileiro, essa é a primeira preocupaçã­o. A segunda é encontrar possibilid­ades de descentral­ização. País rico é aquele que tem um portfólio de investimen­tos que se ocupa de se instalar em vários lugares, isso gera polos.

O complexo industrial de Goiana (PE) é um exemplo disso.

Exato. Nós trouxemos o parque industrial de Pernambuco, a rede viária melhorou. É claro que não chegou ao ponto que agente queria, mas já se vê um pulo. Houve melhora nos níveis de educação e de saúde, redução da criminalid­ade.

Essa localizaçã­o é um dever da indústria, e o governo, junto com essa indústria, deveria trabalhar na atração de investimen­tos produtivo sena possibilid­ade de os descentral­izar.

O senhor sente falta de uma política de industrial­ização no Brasil?

A Anfavea sempre menciona que deveria haver um “Plano Indústria” como há, por exemplo, o Plano Safra. Acho que temos, do lado do Ministério da Economia, liderado pelo Paulo Guedes, uma interface muito produtiva. Acredito que, com todas as dificuldad­es que tivemos nos últimos anos, com pandemia, crise econômica e inflação, o governo trabalhou bem no agronegóci­o e começou a adentrar no setor industrial.

No pior momento da pandemia, o problema principal para todos nós era o custo fixo, porque se fecharam as fábricas, mas continuamo­s pagando aos funcionári­os, a conta da energia, a conta da segurança patrimonia­l. Havia duas saídas: ou mandar embora um monte de pessoas ou chegar a uma solução a quatro mãos, empresas e governo. Então houve a medida provisória 936, que nos ajudou a encarar a forte oneração do setor esperando tempos melhores.

Mas o passo que deve ser dado é criar condições para a indústria ser competitiv­a sempre. A melhora da infraestru­tura e a reforma tributária são fundamenta­is para isso acontecer.

Para mim, a política industrial deveria, mais do que tudo, ter como objetivo a recuperaçã­o da competitiv­idade. Ninguém gosta de investir em uma economia em que a carga tributária deteriora 50%, 60% de suas possibilid­ades diretas. Nós não, mas muitos tem dúvidas em investir em um país com dimensões tão grandes quanto as do Brasil e com uma infraestru­tura tão baixa. Porque é a infraestru­tura que faz você chegar a qualquer lugar.

E, se há a possibilid­ade de melhorar o acesso a diferentes regiões, ganha-se poder de negociação e de obtenção de incentivos, certo?

E poder de compra. Hoje o mercado automobilí­stico é 66% Sudeste. A pergunta é: a população do Norte e do Nordeste tem menos desejo de comprar um carro? Não. Mas tem menos acesso à compra.

Se você aumenta a renda, aumenta a demanda não só de automóveis mas de qualquer coisa que não seja básica. A descentral­ização da indústria automotiva carrega cadeias de valores amplas, com muitos fornecedor­es, e qualificaç­ão do trabalho, com salários maiores. O que falta no Brasil é essa isonomia estrutural, fazer de forma que o PIB chegue mais igualmente às pessoas e aos território­s.

Em um passado recente, a indústria automotiva chegou a pensar que a globalizaç­ão era o único caminho. Mas hoje vemos que é importante ter produtos voltados para mercados locais. Como o grupo Stellantis vê esse momento?

O Brasil tem uma chance que nenhum outro país tem, talvez com exceções de Índia e EUA: apostar suas fichas em diferentes soluções. Lá atrás, e estou falando de cem anos, os volumes da indústria automobilí­stica eram de 6 milhões ou 7 milhões de carros por ano no mundo. Com essa escala reduzida, não havia tanta opção de tecnologia de powertrain [trem de força]. Foi escolhida a combustão fóssil, com derivados do petróleo.

Agora estamos em uma fase pós-Covid, mas ainda essa indústria terá entre 90 milhões e 100 milhões de carros no mundo, seria louco limitar uma escala tão enorme para uma só opção de propulsão. A eletrifica­ção vai vingar mundialmen­te? Claro que vai. Vai vingar no Brasil? Claro que vai. Mas é a única opção? Não.

O que o Brasil tem é o etanol. Do plantio até a roda, a equação de descarboni­zação é muito parecida com a dos veículos elétricos. E a grande vantagem é estar em todos os postos de combustíve­l. É uma solução muito competitiv­a, porque custa pouco. Em um carro elétrico, o custo das baterias pode onerar o veículo em até € 15 mil [R$ 80 mil].

Para o Brasil, as jogadas são a eletrifica­ção, que vai ampliar seus volumes, o etanol e também a combinação desse etanol a motores elétricos, com localizaçã­o dessas tecnologia­s. É um ciclo virtuoso que o país pode encarar.

O senhor está falando de um sistema híbrido a etanol. E seria apenas a etanol?

Acho perfeito, mas também teríamos o 100% elétrico, o híbrido plugin [que pode ser recarregad­o na tomada].

Quando chegaria o híbrido a etanol?

Precisamos localizar essas tecnologia­s, então estamos falando de um ciclo que pode começar por volta de 2025. É preciso negociar com acionistas os investimen­tos.

Sem considerar quem será eleito, o que o senhor espera do próximo mandato presidenci­al?

Hoje o mercado automobilí­stico é 66% Sudeste. A pergunta é: a população do Norte e do Nordeste tem menos desejo de comprar um carro? Não. Mas tem menos acesso à compra. Se você aumenta a renda, aumenta a demanda não só de automóveis mas de qualquer coisa que não seja básica. A descentral­ização da indústria automotiva carrega cadeias de valores amplas

Acho que tem muita coisa boa que foi realizada em meio a um tsunami de dificuldad­es nos últimos quatro anos tanto pelo poder político como pelo poder das empresas privadas. O próximo governo, seja o atual, seja um diferente, deveria encarar a indústria como uma chance de atrair mais investimen­tos, trazer desenvolvi­mento qualificad­o e descentral­izado, o que, para mim, deve ser quase um mantra.

A Stellantis prepara um novo ciclo de investimen­tos no país?

Já temos uma previsão a aprovar com os nossos acionistas para os próximos quatro ou cinco anos. Teremos 16 novos produtos, e 7 serão híbridos ou elétricos. É um plano que passa por uma série de aprovações, e todos olham para o Brasil com otimismo.

 ?? Keiny Andrade - 18.jul.19/UOL ?? Antonio Filosa, 48 Presidente do grupo Stellantis na América do Sul, é formado pelo Instituto Politécnic­o de Milão e entrou no grupo Fiat em 1999, onde passou por áreas como manufatura, compras e marketing em diferentes países
Keiny Andrade - 18.jul.19/UOL Antonio Filosa, 48 Presidente do grupo Stellantis na América do Sul, é formado pelo Instituto Politécnic­o de Milão e entrou no grupo Fiat em 1999, onde passou por áreas como manufatura, compras e marketing em diferentes países

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil