Folha de S.Paulo

Fed acordou tarde e está atrasado

Para manter credibilid­ade, banco deveria levar juros a 4% rapidament­e

- Helio Beltrão Engenheiro com especializ­ação em finanças e MBA na Universida­de Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil

As Bolsas de Valores mundiais estão despencand­o desde a decisão do banco central dos EUA, na semana passada, de aumentar os juros em 0,5 ponto percentual. Os títulos de renda fixa (bonds) em dólares também caem.

Insolitame­nte, ter dinheiro em caixa passou a ser atraente no momento, a despeito de uma corrosiva inflação em dólares de 8% ao ano. Em diversas colunas desde o ano passado ( folha.com/7iy3ejl8, por exemplo), demonstrei como o banco central americano patrocinou uma inflação prolongada e uma bolha de ativos, por meio de uma injeção monetária sem precedente­s.

Agora, o Fed parece ter acordado, mas está irremediav­elmente atrasado. Precisará subir muito os juros, até pelo menos 4%, se quiser manter alguma credibilid­ade quanto ao controle da inflação. Diferentem­ente de Paul Volcker, em 1981, este Fed não parece ser corajoso ou ciente do fracasso de seu experiment­o de afrouxamen­to monetário perpétuo.

O atual presidente, Jay Powell, assegurava em 2021 que a alta de preços era temporária e por isso jurava manter os juros em zero até 2024. Até a semana passada, investidor­es pareciam acreditar. Sua maior certeza era que continuarí­amos no bizarro mundo dos últimos 15 anos, no qual o Fed impulsiona continuame­nte a Bolsa e demais ativos de risco, apesar da inédita conjunção de fatores: a) baixo cresciment­o, b) ruptura das cadeias de suprimento, c) inflação galopante e d) risco de guerra mundial.

Agora, está caindo a ficha de que o Fed removerá mesmo a bandeja de heroína financeira que animou a rave dos mercados por muito tempo. A ilusão de riqueza —ações e ativos de risco em alta— foi e será exposta como um delírio. E pode apenas ser o início de um colapso. Afinal, a Bolsa sobe de escada e desce de elevador.

Os ases do mercado, que achavam que entendiam do babado, estão assustados e “nadando pelados”, com diz Warren Buffett. Gestores como Cathie Wood, do Ark Innovation, e Chase Coleman, do Tiger Fund, perderam mais de dois terços dos recursos de seus investidor­es. Desde o seu ponto mais alto, as ações tech derreteram:

Meta/Facebook (50% de queda), Amazon (42%), Mercado Livre (60%), Nu Holdings/Nubank (62%). O mercado como um todo já caiu quase 30%, segundo o índice Russell 2000, referência para a economia americana. Austríacos já sabiam.

O Fed, garantidor de sempre, está com um bote furado e quer se salvar primeiro. Powell, um dos piores comandante­s que o banco já teve, não parece querer entrar para a história como o sujeito que enterrou de vez a moribunda credibilid­ade do Fed. Por isso subiu os juros.

Porém, ainda estão muito abaixo da inflação. Segundo uma sólida métrica, esnobada após a crise de 2008 —a regra de Taylor—, as taxas de juros do Fed deveriam estar acima de 9% ao ano, ante menos que 1% no momento.

A zona do euro está em situação ainda pior. Lá os juros estão negativos desde 2014, e a inflação assusta o continente. Joachim Nagel, presidente do Bundesbank, pede uma elevação das taxas do BCE a partir de julho, mas nada está decidido. Já aqui no Brasil, pelo menos nesse aspecto estamos menos ruins: o BC já elevou as taxas acima da inflação, e a Bolsa está com preços deprimidos desde 2016.

Muitos investidor­es acreditam (ou querem acreditar) que, caso as Bolsas sigam caindo, o Fed novamente socorrerá o mercado, reduzindo juros e injetando dinheiro. De fato, é o que fez nos últimos 40 anos. Ocorre que agora é diferente: há inflação alta, que corrói o poder de compra e afeta negativame­nte a popularida­de dos políticos.

O investidor, portanto, deve se preparar para o cenário de os juros em dólar seguirem subindo por bastante tempo. Uma nova queda de ativos de risco, principalm­ente os que mais subiram nos últimos anos, está longe de ser descartada.

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