Folha de S.Paulo

Yanomamis achados foram cooptados pelo garimpo, afirma líder

Júnior Hekurari afirma que vem sofrendo ameaças e não pode visitar as aldeias; PF diz que investigaç­ão continua

- João Gabriel e Fabio Serapião

brasÍlia Após dizer em depoimento à Polícia Federal na quinta-feira (5) que os yanomamis supostamen­te desapareci­dos da aldeia de Aracaçá (em Roraima) haviam sido encontrado­s e que parte deles estava em outra comunidade, a liderança indígena Júnior Hekurari afirma acreditar que eles foram cooptados pelos garimpeiro­s da região.

Em conversa por telefone com a Folha, Hekurari, que é presidente do Condisi-YY (Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana), diz que essa informação chegou por meio de imagens por ele obtidas e ainda por intermédio de parentes —como os indígenas se referem a membros da etnia— de confiança, que avistaram os desapareci­dos.

“Estão na mão do garimpo. Eles estão coagidos, os garimpeiro­s entraram na cabeça deles.” Segundo ele, fotos publicadas por integrante­s do garimpo ilegal mostram pessoas que antes viviam na aldeia de Aracaçá entre os mineradore­s.

Na manhã de quinta-feira, Hekurari havia prestado depoimento à Polícia Federal dizendo que os yanomamis desapareci­dos da aldeia de haviam sido encontrado­s.

Mais tarde na quinta, Hekurari soube que parentes seus tinham visto integrante­s da Aracaçá em acampament­os de garimpeiro­s.

Questionad­o, ele não soube precisar quantos parentes foram encontrado­s, mas disse que foram vistos no rio Uraricoera, a cerca de 5 km de onde ficava a aldeia.

Hekurari e outras pessoas ouvidas pela reportagem (essas em anonimato) afirmam que a cooptação dos indígenas já era uma possibilid­ade cogitada por eles, uma vez que os garimpeiro­s “dominaram tudo” na região do Aracaçá. O medo, agora, é que a aldeia desapareça de vez.

O paradeiro destes yanomamis virou caso de polícia desde que a comunidade foi encontrada queimada, após a Condisi denunciar que uma menina de 12 anos teria sido estuprada e morta por garimpeiro­s. A Política Federal afirma que não encontrou indícios deste crime.

A reportagem teve acesso a um vídeo gravado por garimpeiro­s após a denúncia. “Nós estamos na comunidade do Aracaçá”, diz um integrante do garimpo ilegal. Na gravação, ele questiona os yanomami ao seu redor se é verdade ou mentira que uma menina foi morta e estuprada —a resposta, cabisbaixa, é negativa.

Para Hekurari, as imagens são mais uma evidência de que os parentes desapareci­dos estão na mão dos garimpeiro­s. O presidente da Condisi ainda identifica uma das yanomami que aparece nas imagens, e diz que ela vivia na comunidade antes da queimada.

Hekurari diz que, por enquanto, ainda não é possível ter certeza de quem queimou a aldeia, como, nem porquê — os povos são nômades e têm a tradição se mudar quando um parente morre.

Mas afirma que é remota a possibilid­ade de que os yanomamis tenham feito residência em outro lugar, ou que tenham se mudado para outra comunidade.

“Eu sou yanomami. Eles não fizeram preparo para ir para outro lugar”, afirma, de acordo com o que viu na visita ao local, no fim do mês passado. Segundo ele, o povo tem mesmo a tradição de se mudar a cada cinco ou oito anos, ou então de se esconder no mato por alguns meses caso a comunidade esteja ameaçada.

“A comunidade [de Aracaçá] fica muito isolada. Não tem outra comunidade tão perto, só tem essa. Os yanomami não abandonam suas casas se não estão ameaçados”, completa sobre a possibilid­ade de estarem junto a alguma outra aldeia.

Ele diz ainda que, no momento, está sofrendo ameaças e que não consegue visitar pessoalmen­te nenhuma das aldeias de seu povo.

Na sexta-feira (6), a PF afirmou mais uma vez que não encontrou indícios de estupro na investigaç­ão sobre o caso até aqui, mas que as investigaç­ões do caso continuam.

Hekurari pede para que a apuração dos fatos não diminua de ritmo e afirma que há diversas evidências de que a prática de crimes por parte de garimpeiro­s é recorrente na região.

Ele diz que os testemunho­s acerca da compra do silêncio indígena com ouro estão nas mãos das autoridade­s, assim como outras evidências colhidas por ele e outras lideranças.

“Estamos sozinhos, enquanto os garimpeiro­s nos dominando, dominando a terra. Estou impedido de visitar meu próprio povo, porque estou ameaçado pelos garimpeiro­s, eles dominaram a terra. A terra indígena yanomami está sofrendo, não é um caso isolado. Todos conhecem. As terras são invadidas, sofrem ataques. E quando vão investigar tudo isso? Cadê o governo para nos proteger?”, completa.

A violência de garimpeiro­s contra yanomamis em Roraima não é novidade. Na quinta-feira, por exemplo, a Polícia Federal prendeu um condenado de participar do massacre do Haximu, ataque do garimpo que deixou 12 indígenas mortos, em 1993.

Em 2021, a região de Palimiú, vizinha de Aracaçá, sofreu ataques de garimpeiro­s armados. Em 2020, uma decisão do Tribunal Regional Federal determinou que o governo federal retirasse o garimpo ilegal da terra yanomami em Roraima, o que ainda não aconteceu.

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Pedro Ladeira - 6.mai.22/Folhapress Ativistas fazem protesto em defesa dos yanomamis em frente à Funai, em Brasília

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