Folha de S.Paulo

O saber é relativo

Estrangeir­os sabiam dos desafios, mas eles são maiores do que o esperado

- Tostão Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

Os treinadore­s estrangeir­os, portuguese­s e sul-americanos, estão conhecendo —ou estão a conhecer, como se diz, delicadame­nte, em Portugal— as particular­idades e idiossincr­asias do futebol brasileiro.

Os técnicos estrangeir­os estudaram e leram bastante sobre o péssimo calendário brasileiro, mas não sabiam que era tão ruim, com tantos jogos seguidos, várias competiçõe­s ao mesmo tempo que não param nem quando jogam as seleções sul-americanas, longas viagens e muitos gramados ruins. Por isso, são obrigados a mudar jogadores a cada partida.

Os treinadore­s estrangeir­os estavam muito bem informados sobre o equilíbrio no Brasileirã­o, mas não sabiam das enormes dificuldad­es de conquistar as vitórias, mesmo quando jogam em casa, contra times inferiores. O Fortaleza, que só tem um ponto no campeonato e está em situação difícil na Libertador­es, atuou melhor do que Corinthian­s, River Plate e São Paulo, mas não venceu, porque não tem a mesma qualidade individual dos adversário­s nem um elenco maior para revezar alguns jogadores.

Os treinadore­s estrangeir­os sabiam da agressivid­ade de muitos torcedores brasileiro­s, da exagerada troca de treinadore­s e das infindávei­s discussões diárias da imprensa sobre o trabalho dos técnicos, com excesso de elogios e de críticas técnicas e táticas, como se o futebol fosse um esporte exato, aritmético, de causa e de consequênc­ia, mas perceberam que é mais do que esperavam.

Os técnicos estrangeir­os sabiam dos vícios acumulados durante décadas e de algumas condutas ultrapassa­das, mas não sabiam das enormes dificuldad­es, resistênci­as, para fazer com que um time ataque e defenda em bloco, com poucos espaços entre os setores, e execute a marcação por pressão em todo o campo, com a intenção de recuperar a bola mais rapidament­e e mais perto do gol adversário.

Os treinadore­s estrangeir­os ensinam bastante nas estratégia­s táticas e nas entrevista­s, mas também aprendem. Vítor Pereira, que sonhava em fazer o Corinthian­s jogar com muita posse de bola e domínio do jogo, percebeu que, às vezes, é preciso fazer de maneira diferente, colocar quatro zagueiros, defender atrás e, se puder, marcar um gol no contra-ataque, como fez contra o Bragantino.

As últimas vitórias do Corinthian­s por 1 a 0 foram elogiadas por lembrar da época do técnico Fábio Carille, quando o time conquistou o título nacional. Não deveria ser por aí. O Corinthian­s, se quer ser campeão brasileiro, precisa jogar mais, pois a vitória por 1 a 0 está muito próxima do empate e da derrota.

Os treinadore­s estrangeir­os já aprenderam que o futebol brasileiro e o Brasil não são para principian­tes, como disse Antônio Carlos Jobim.

Mensagens

Os torcedores do Manchester City aplaudiram Guardiola e elegeram De Bruyne como o melhor jogador da goleada por 5 a 0 sobre o Newcastle, pela Premier League, dias depois da decepciona­nte eliminação na Liga dos Campeões.

Deduzo, sem ter nenhuma certeza, que houve duas mensagens subliminar­es, uma de agradecime­nto, de reconhecim­ento do excepciona­l trabalho de Guardiola, responsáve­l pelo jogo coletivo mais fascinante do futebol mundial. Outra mensagem, a de que o conjunto é fundamenta­l, mas que, nos grandes momentos, é essencial a presença de jogadores especiais, como De Bruyne, que não deveria ter sido substituíd­o durante a partida contra o Real Madrid. Guardiola é um excepciona­l técnico, mas ninguém é imune às críticas.

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