Folha de S.Paulo

O futebol é uma caixinha de surpresas, certo?

Pouca chance de pontuar aumenta aleatoried­ade do esporte

- Marcelo Viana Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France

Em 2010, o estatístic­o norteameri­cano Nate Silver, que se notabiliza­ra usando matemática para prever os resultados dos jogos de beisebol e da eleição de Barack Obama, recebeu solicitaçã­o para fazer uma análise da Copa do Mundo da África do Sul. Ele previu que o Brasil seria campeão. Tomamos

2 a 1 nas quartas de final e ficamos em sexto lugar.

Não havia nada de errado com a matemática de Silver, que, aliás, nem se saiu pior do que outros especialis­tas: apenas, o futebol é muito mais difícil de modelar matematica­mente do que outros esportes. Segundo pesquisado­res da universida­de Cornell, nos Estados Unidos, o time favorito ganha em apenas 50% dos casos, enquanto isso acontece 60% das vezes no beisebol, e quase 70% no basquete ou no futebol americano.

Isso é explicado cientifica­mente pela Lei dos Grandes Números, um teorema a respeito de eventos aleatórios como o lançamento de moedas provado em 1713 pelo matemático suíço Jacob Bernoulli. A lei afirma que, embora o resultado —cara ou coroa— a cada lançamento seja imprevisív­el, se repetirmos muitas vezes é praticamen­te certo que cada um dos lados sairá na metade das vezes: a probabilid­ade de ter mais do que 51% de caras ou de coroas é muito baixa.

Uma partida de basquete consiste de grande número de jogadas em que as equipes tentam fazer pontos. A cada jogada o êxito é incerto, mas com a repetição o time mais forte acaba prevalecen­do. Já no futebol, há poucos momentos suscetívei­s de alterar o escore: é raro que haja mais de uma dúzia de chutes a gol. Assim, o resultado é muito mais aleatório: os pesquisado­res de Cornell estimam que seja 50% talento e 50% sorte.

Há quem ache injusto que o melhor time esteja sujeito a perder apenas por falta de sorte. O problema poderia ser “resolvido”, dizem, mudando as regras para aumentar o número de gols por jogo, o que reduziria o papel do acaso.

Mas a imprevisib­ilidade é justamente um dos aspectos do futebol que o tornam tão apaixonant­e: em que outro esporte a torcida da Macedônia do Norte poderia entrar no estádio com a esperança de eliminar a tetracampe­ã Itália?

Aliás, em esportes como o beisebol e o basquete nos Estados Unidos são feitos grandes esforços para manter os times equilibrad­os e, com isso, restabelec­er o papel da sorte!

Acontece que há indícios um pouco preocupant­es de que o futebol está se tornando mais previsível do que costumava ser. Será o tema da próxima semana.

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