Teatro recusa o virtual e se fecha só para a elite no pós-pandemia
Dirce Waltrick do Amarante Tradutora e professora da Universidade Federal de Santa Catarina. Autora, entre outros livros, de “Para Ler Finnegans Wake de James Joyce” e “James Joyce e Seus Tradutores”
Teatro, do grego “theatron”, significa o local de onde o espectador olha uma ação “que é apresentada em outro lugar”, como completa o professor britânico Patrice Pavis. No século 20, esse local ganhou uma amplitude enorme, de modo que o espectador pode estar na Austrália, enquanto a cena acontece, por exemplo, no Brasil.
“Mas isso é teatro?”, perguntarão alguns. Afinal, o teatro, em oposição ao cinema e à televisão, se enaltece por ser uma arte interativa. E, acreditam os mais conversadores, algumastecnologiasusurpariam o palco onde o teatro nasceu.
Além disso, afirmava a professora e crítica Bárbara Heliodora, o teatro “só existe quando ele é apresentado diante de uma plateia, porque a obra de arte é o que acontece diante do seu público, graças à interação emocional que existe entre palco e plateia”.
O virtual no teatro ainda parece malvisto, embora a discussão não seja nova. Contudo, ela tem sido muito mais eficaz na teoria do que na prática. Nos últimos dois anos, a pandemia obrigou até mesmo os mais conservadores a aderir a novas tecnologias e a buscar outro local de onde o público pudesse assistir à ação teatral.
Se no princípio havia uma certa reserva em manter as atividades cênicas, não demorou para que as peças online se multiplicassem. No período de confinamento foi possível assistir a apresentações de grandes companhias de teatro dentro e fora do Brasil. Finalmente, os novos desafios do teatro digital pareciam ter sido assimilados tanto por quem atua nas artes da cena quanto por quem assiste a elas.
Nessas apresentações online estavam os quatro elementos fundamentais do teatro, que, de acordo com o diretor Peter Brook, são o “performer”, a audiência, o espaço particular e o tempo específico da ação. Esses elementos devem ser adaptados, obviamente, ao mundo interligado e virtual em que vivemos.
Tudo levava a crer que o teatro tinha dado um passo à frente e perdido o “medo” de se tornar irreconhecível ao usar uma nova possibilidade de acesso a ele por meio virtual.
Mas tão logo os teatros reabriram para os espectadores, fecharam as portas para a plateia virtual. Perde com isso não apenas o espectador que vive longe dos grandes centros, mas também o teatro e a arte.
Por que não conciliar as apresentações ao vivo com as virtuais? Serão duas experiências diferentes, mas uma não exclui a outra. Para mim, parece melhor ter a possibilidade de assistir a uma peça online do que não ter acesso a ela.
Em “Theatre and the Digital” —o teatro e o digital—, o autor Bill Blake afirma que o teatro sempre se sentiu ameaçado pela tecnologia. No entanto, a meu ver, não é ela quem ameaça o teatro —a grande ameaça está no fato de o teatro estar longe fisicamente do grande público, sobretudo dos espectadores que vivem longe dos grandes centros.
Vale lembrar que os livros se reinventaram em outros formatos e que o cinema provou sua força mesmo depois da ameaça dos videocassetes, DVDs, streaming et cetera. Os concertos e shows não acabaram com o advento do rádio, dos CDs, nem do Spotify.
O teatro, que agora parece dar um passo atrás, abandona os espectadores que vivem fora dos grandes centros, muitos dos quais foram fiéis a ele durante o período em que precisou ser apenas virtual.
Sabemos que a cena teatral fora desses centros não é contínua e nem sempre é profissional. Ainda assim, há muitas faculdades de teatro espalhadas pelo “interior” do Brasil. A formação desses novos profissionais passa pela ampliação de repertório, e assistir a diferentes espetáculos deveria fazer parte dela.
E as críticas teatrais em jornais e revistas? A crítica é um convite a ir ao teatro, a pensar sobre a peça. Como fica quem não pode assistir aos espetáculos analisados?
Fora do centro, o teatro está nos livros. Não se assiste a Pirandello, mas se lê Pirandello. Fora do eixo Rio-São Paulo, temos o teatro da imaginação, como me disse uma aluna de artes cênicas, ou seja, um drama é lido e a cena vista é imaginada. Até quando será assim?