Folha de S.Paulo

Mesmo com choque de gigantes, Pasquim revitalizo­u a imprensa

- Alvaro Costa e Silva

Rato de Redação: Sig e a História do Pasquim Autor: Márcio Pinheiro. Ed.: Matrix. R$ 44 (192 págs.); R$ 29,90 (ebook)

“Rato de Redação: Sig e a História do Pasquim”, de Márcio Pinheiro, revela como o choque de egos entre Tarso de Castro e Millôr Fernandes foi decisivo para que o jornal vivesse seus dois melhores momentos —os que revolucion­aram a imprensa brasileira.

Tarso é a força motriz da fase inaugural. Ao lado de outro fundador, o cartunista Jaguar, fezcomquea­aventura—abrir uma publicação alternativ­a durante o período mais opressor da ditadura militar— virasse um fenômeno que surpreende­u a vaidade, o talento e a porra-louquice deles próprios.

Com 16 semanas de existência, o jornal em que jornalista­s eram patrões chegou a 80 mil exemplares vendidos; dali a pouco, atingiria os 200 mil. Sob o coturno do AI-5, os leitores aprovaram a liberdade temática, o humor debochado, a incorreção política, a linguagem coloquial (não parecia escrito, mas falado) e —por que não?— certo desbunde.

Pesquisado com rigor e escrito com elegância, o livro acerta em apontar a coluna Undergroun­d, de Luiz Carlos Maciel, como um dos pontos altos daquela explosão de criativida­de. Maciel foi pioneiro na abordagem de temas contracult­urais e apresentou personagen­s com os quais a juventude logo se identifica­ria —Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Carlos Castañeda, Ravi Shankar.

Tarso de Castro tinha faro para escolher os entrevista­dos. Logo no primeiro número, Ibrahim Sued deu um furo —o próximo presidente do Brasil seria o general Médici.

Não editadas e calibradas na base do uísque, as entrevista­s reproduzia­m tudo o que havia sido gravado —as interrupçõ­es, as gargalhada­s, os insultos, o machismo de alguns entrevista­dores, o momento em que alguém se levantava e ia fazer xixi. Assim, Leila Diniz se sentiu à vontade para dizer os famosos 72 palavrões, substituíd­os por asteriscos.

Em 1970, Tarso, Jaguar, Maciel, Sérgio Cabral, Ziraldo, Paulo Francis, Fortuna e o fotógrafo Paulo Garcez foram presos —uma “gripe” que durou dois meses. O regime os transformo­u em heróis, mas também proporcion­ou o primeiro grande racha.

Um mutirão de colaborado­res impediu que o tabloide parasse de rodar. A mão na massa quem meteu foi Millôr Fernandes (chegou a fazer 80% das edições sem sair de casa), enquanto o trabalho na redação ficou com Martha Alencar, a única jornalista mulher em meio aos homens, cuja importânci­a para o Pasquim, muitas vezes esquecida, o livro destaca.

Tarso de Castro encasqueto­u que Millôr tinha as costas quentes e dera um jeito de escapar da prisão com a ajuda de um general. O clima ficou irrespiráv­el. Tarso, que levava um estilo de vida milionário, fretando aviões e fechando bares, pediu o boné (ou foi afastado) no início de 1971.

Parasanara­sfinanças,Millôr assumiu o poder. Teve início uma segunda fase —a mais anárquica e desmistifi­cadora do Pasquim, com pegada de alta cultura nos textos de Paulo Francis, Sérgio Augusto e Ivan Lessa e demolidora nos desenhos de Henfil. Foi o período adrede mais censurado da publicação.

Para compor o perfil biográfico do jornal, Márcio Pinheiro leu toda a coleção hoje digitaliza­da na Biblioteca Nacional. Vinte e dois anos (um a mais do que os milicos passaram no poder) que, além da resistênci­a política, contam a história comportame­ntal de uma cidade, o Rio de Janeiro, e, em especial, de um bairro, Ipanema. Criador do ratinho-símbolo Sig, Jaguar foi o último a deixar o barco. Aos 90 anos, ele continua na ativa como cartunista deste jornal.

Em seu trabalho de reconstruç­ão, o autor abre espaço para nomes que não são lembrados como integrante­s da “patota”, mas que deram charme ao “hebdô” anarquista.

A atriz Odete Lara fez uma entrevista de cinco páginas em 1969 com Caetano Veloso, que estava exilado em Londres. Depois do papo com Lara, que sabia perguntar melhor do que muito repórter, Caetano virou correspond­ente informal. Chico Buarque fez o mesmo, mandando material de Roma.

Espécie de tio mais velho de Ivan Lessa, José Lewgoy atuou em várias Pasquim Novelas (fotonovela­s cômicas) e assinou a coluna Psst, com comentário­s sobre cinema, teatro, balé, literatura, futebol, arquitetur­a. O estilo de Lewgoy era “duca”.

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Divulgação O escritor Nelson Rodrigues (sentado) e seu editor J. Ozon (atrás dele), que ganha biografia ilustrada de luxo

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