Folha de S.Paulo

Superprote­ção com filha reavivou abuso na infância, diz mãe

Administra­dora adere ao movimento #AgoraVcSab­e ao reconhecer ter sido vítima de violência sexual aos 5 anos

- Giovanna Balogh

SÃO PAULO Desde que deixou o mundo corporativ­o, a administra­dora Lyvia Montezano, 33, é voluntária e conselheir­a de organizaçõ­es e projetos sociais.

Virou ativista da causa de combate à violência sexual contra crianças e adolescent­es ao reviver o trauma de um abuso sofrido na infância, quando tinha 5 anos, a mesma idade da filha, Nina.

Casada com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, ela encontrou no marido o apoio para falar do assunto.

Ele foi o primeiro a saber que um primo de Lyvia cometia abusos sexuais que chegaram ao estupro, enquanto os pais confratern­izavam na sala após os almoços de domingo.

Casos que se repetiram por quase dois anos e a fizeram se engajar no movimento #agoravcsab­e, do Instituto Liberta.

Lyvia mora hoje em Brasília e conta que optou por se afastar dos familiares, que são do Rio de Janeiro. Nunca mais teve contato com o abusador, que não chegou a ser denunciado formalment­e por ela.

*

“As pessoas acham que os abusos sexuais só acontecem em lares desestrutu­rados, famílias periférica­s, mas eu sou o retrato de que crianças em famílias amorosas e estruturad­as e com educação de primeira também são vítimas.”

Tudo começou de forma leve, beijo aqui, carinho ali, ao lado dos outros primos que brincavam no mesmo quarto.

Era abusada enquanto minha família estava reunida no almoço de domingo. Os abusos começaram com 5 anos.

O abusador era meu primo, 10 anos mais velho.

Ele começou a me levar para outro ambiente da casa e chegou aos últimos graus de abuso e estupro. Não foi nem uma nem duas vezes, foram várias.

Ele não me ameaçava, mas eu não sabia que era errado. Ninguém havia dito que era.

Lembro que um dia me machucou, tive muita dor e chorei. Aí percebi que não era certo e ele pediu para não contar a ninguém. Nunca vou esquecer, gostaria, mas não consigo.

Nunca falei para ninguém e isso afetou demais a relação com minha família. Sempre fomos muito unidos. Afinal, nossos pais se conheciam desde a infância e as duas famílias tinham uma ótima relação.

Com a separação dos meus pais, fui morar com meu pai e me distanciei da minha mãe e sua família. Inconscien­temente a culpava e até hoje nunca consegui uma conversa franca e honesta com ela sobre isso.

Passei a não frequentar os aniversári­os, os Natais e sempre achavam estranho por eu ser a desgarrada da família, que é extremamen­te unida. A ficha caiu quando fui mãe. Notei, conforme minha filha ia crescendo, que tinha proteção exagerada com ela. O estopim foi saber que ela teria na escolinha um professor homem. Surtei enquanto os outros pais estavam tranquilos com isso. Fui então buscar entender o motivo dessa superprote­ção.

Acessei as memórias, traumas e tudo o que havia acontecido comigo e decidi falar. Fiz constelaçã­o familiar, terapia.

Meu marido foi a primeira pessoa a saber. Ele foi e é meu guardião, amigo, terapeuta e segurou a barra com muita gentileza. Teve toda a paciência do mundo!

Foi a base para lidar com tudo. Ter o suporte de alguém próximo e em que você confia é fundamenta­l.

A primeira vez que falei sobre isso em público foi em novembro do ano passado em uma entrevista para o Instituto Liberta. As pessoas mais velhas da família ficaram em silêncio, outros primos me ligaram, se solidariza­ram.

Sempre falo com a minha filha sobre consentime­nto e a importânci­a de entender o que são as partes íntimas e que ninguém pode tocá-las.

Existem muitas ferramenta­s, como livrinhos infantis e formas lúdicas para orientar as crianças a entenderem sobre o abuso infantil. Eles precisam saber o que é, para recorrerem a um adulto de sua confiança caso sejam vítimas.

Não é para gerar pânico, mas a informação é nossa única forma de quebrar o ciclo, pois os abusadores, em sua imensa maioria, foram abusados também. Precisamos quebrar esse silêncio.

A causa de Combate à Violência Sexual contra Crianças e Adolescent­es tem o apoio do Instituto Liberta, parceiro da plataforma Social+.

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Gabriela Biló/Folhapress A administra­dora Lyvia Montezano, mãe de uma menina
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