Folha de S.Paulo

Mumunhas na privatizaç­ão

Após 5 anos de tentativas, Eletrobras pode ser vendida em julho; Petrobras pode dar rolo

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Quanto tempo pode levar um processo de privatizaç­ão da Petrobras? O da Eletrobras começou em 2017, recomeçou em 2019 e ainda não acabou. O último passo legal pode ser dado na semana que vem. A venda ocorreria então em julho.

No caso da Eletrobras, entraram uns jabutis na lei de privatizaç­ão, umas capitanias hereditári­as, a obrigação de construir umas usinas termelétri­cas com benefícios e vícios privados e apropriaçõ­es do bem público (eficiência inclusive). Obra do centrão.

A venda da Petrobras, mais complicada, pode ser oportunida­de para mais mumunha. Quem sabe mamata do nível de oligarquia russa.

Exagero? Faz quatro anos, a gente não discutia golpe na fila do mercado, como hoje, como se comentasse previsão do tempo. Imagine-se o que pode fazer um autocrata aliado a parlamenta­res negocistas.

O anúncio da privatizaç­ão foi, óbvio, ato de campanha, cortina de fumaça e birra de Jair Bolsonaro, que não conseguiu meter a mão na empresa e quer tirar das costas a fúria contra preços de gasolina e diesel.

Talvez dê para trás, caso alguma pesquisa de opinião mostre aversão do povo à venda da companhia, talvez improvável, dada a raiva contra os aumentos. Em 2019, 65% do eleitorado era contra a venda da Petrobras, segundo o Datafolha.

Bolsonaro também como que diz aos donos do dinheiro e a interessad­os em geral “olha que negocião aqui, olha como vou ser liberal”, ele, que não privatizou nem a Casa da Moeda, estrada ou caminho de vaca.

Mas a coisa vai demorar. Sem mutreta maior, pelo menos uns dois anos.

Michel Temer anunciou a ideia de privatizar a Eletrobras em agosto de 2017 e baixou uma confusão de normas legais durante 2018. Fraco, com a corda do impeachmen­t no pescoço e com uma eleição pela frente, fracassou.

Bolsonaro assinou um projeto de privatizaç­ão da Eletrobras em 2019. Sem apoio parlamenta­r e com uma epidemia pela proa, o plano micou. Em 2021, sob a regência do centrão, levou ele mesmo uma medida provisória ao Congresso. A coisa foi aprovada em junho do ano passado, com os jabutis das termelétri­cas.

O Tribunal de Contas da União (TCU) analisa a legalidade da venda e o preço mínimo. O governo não precisa do aval do TCU, mas acha mais seguro obter o “nihil obstat” a fim de evitar rolo na Justiça. No próximo dia 18, deve-se votar a aprovação do processo.

O governo não vai propriamen­te vender a Eletrobras. Vai aumentar o capital da empresa, vender novas ações, que não poderá comprar, o bastante para ficar minoritári­o.

Quer vender logo. Especulase que agosto seja mês fraco (férias no mundo rico) e tardio para operação desse tamanho. Não parece empecilho. Mas a ideia de que um eventual governo do PT pode reverter a privatizaç­ão é algo que vai dar o que pensar.

Seja como for, quando quis e com apoio do liberal-fisiologis­mo, o governo arrumou uma privatizaç­ão em ano e meio ou dois.

O caso da Petrobras é mais complicado. A empresa precisa ser dividida, para que se evite a criação de um quase monopólio privado. Há questões difíceis, desde a divisão dos campos até da informação de pesquisa, afora novas regulações para o setor.

A Petrobras e o setor de petróleo são vacas leiteiras de dinheiro para o governo, se bem administra­dos. A depender do que será da democracia no país, pode ser também objeto de mais roubança ou outras mutretas.

Em uma década, sabe-se lá se será rentável ou se vai valer alguma coisa: é um negócio poluente, com preços sujeitos à loucura política mundial e a um cartel comandado por ditaduras ou coisa similar, como a Arábia Saudita e sua ora aliada Rússia.

Esse é um assunto sério. Logo, não é assunto de Jair Bolsonaro.

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