Folha de S.Paulo

Teto de preço de remédios em falta é suspenso pelo governo

Medida quer evitar desabastec­imento de alguns medicament­os como dipirona injetável e imunoglobu­lina

- Idiana Tomazelli e Mateus Vargas

BRASÍLIA O governo Jair Bolsonaro (PL) decidiu autorizar a suspensão do preço máximo pago pelo SUS (Sistema Único de Saúde) ou pelo setor privado na aquisição de medicament­os que hoje estão em falta no mercado.

A medida é uma tentativa de evitar o desabastec­imento de itens como dipirona injetável e a imunoglobu­lina humana, no momento em que a indústria afirma que a alta dos custos de produção impulsiono­u os preços de comerciali­zação a um patamar acima do teto estipulado pelo governo.

A suspensão seria temporária, até o fim de 2022. A decisão foi aprovada em reunião do conselho de ministros da CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicament­os) na segunda-feira (9).

O governo ainda deve divulgar a lista de medicament­os que ficarão temporaria­mente livres do valor máximo de tabela. Neste momento, pelo menos a dipirona injetável e a imunoglobu­lina humana devem ficar sem este controle.

A decisão foi patrocinad­a por técnicos do Ministério da Economia, sob o argumento de que as empresas fornecedor­as não conseguem comerciali­zar produtos com registro no Brasil por causa do preço teto, que estaria desatualiz­ado.

O diagnóstic­o feito no governo é de que alguns produtos sofreram forte variação no custo de produção por causa das crises causadas pela pandemia da Covid-19 e pela guerra na Ucrânia.

Com a mudança aprovada, o governo pode autorizar que até o fim do ano medicament­os em falta no mercado entrem na lista de produtos sem controle de preços.

A autorizaçã­o em si não suspende automatica­mente o controle sobre os produtos. O CTE (Comitê Técnico Executivo) da CMED realizará as avaliações e, ao identifica­r risco de desabastec­imento de uma substância, poderá retirá-la do tabelament­o temporaria­mente. A ideia é avaliar periodicam­ente se novos remédios devem entrar ou sair deste rol e se há abuso das empresas com o novo formato.

O governo deve ainda cobrar das farmacêuti­cas e distribuid­oras relatórios de comerciali­zação, além das justificat­ivas para declarar que o produto está em falta.

O Ministério da Saúde tem recebido alertas de baixo estoque de dipirona injetável em municípios e unidades hospitalar­es, como mostrou a Folha. O medicament­o é indicado como analgésico e antitérmic­o. Já a imunoglobu­lina, fármaco feito à base de sangue, tem sido comprada pela Saúde de forma excepciona­l, com marcas não registrada­s pela Anvisa. O produto é utilizado no tratamento de diversas doenças, entre elas o HIV e imunodefic­iências.

Desde 2018 o governo acumula compras frustradas e disputas na Justiça e no TCU (Tribunal de Contas da União) por causa deste medicament­o. Em nota técnica de abril deste ano, usada na discussão sobre o preço do medicament­o, a Saúde afirma que o Brasil atravessa “uma situação de escassez generaliza­da [da imunoglobu­lina] inclusive no setor privado”.

O governo ainda esperava receber em março o primeiro lote deste produto da Hemobrás, estatal criada em 2004 para gerir a fabricação de produtos à base de sangue. Segundo a nota técnica da Saúde, a entrega está atrasada.

Feito com o sangue de doações colhidas no Brasil, o produto da Hemobrás é fracionado na Europa. “Nesse cenário, frisa-se que o momento é delicado e que o Ministério da Saúde tem lançado mão das alternativ­as legais, mesmo assim, suas competênci­as não alcançam a resolução de um problema tão grave e que vai além do mercado nacional”, diz a nota técnica.

Advogada e coordenado­ra do programa de Saúde do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Ana Carolina Navarrete afirma que liberar preços não resolve o problema do desabastec­imento.

“Não há sentido em apagar incêndio com medidas pontuais. O que deveria ser feito é uma discussão madura para modernizar a regulação dos preços”, disse Navarrete. Ela defende mais transparên­cia nos valores de produção e desenvolvi­mento dos produtos na análise do valor de tabela.

De forma geral, a CMED define preços máximos de medicament­os e anualmente fixa percentuai­s de reajustes, definidos a partir da inflação e produtivid­ade da indústria, entre outros fatores.

Há algumas exceções. Medicament­os isentos de prescrição, como antigripai­s, relaxantes musculares, analgésico­s, entre outros produtos vendidos em farmácias, não têm controle de valor teto.

O conselho de ministros é a última instância da CMED e define diretrizes sobre o controle dos valores dos fármacos. Este colegiado é composto pelos chefes da Saúde, Economia, Justiça e da Casa Civil.

Além da medida emergencia­l, o colegiado tem discutido outras propostas para alterar a forma de precificaç­ão de medicament­os. Em uma das frentes, os ministério­s avaliam permitir subir ou baixar os preços máximos a qualquer momento, de forma excepciona­l, em vez de apenas aplicar reajustes anuais.

Outra ideia que ganhou força, segundo integrante­s do governo, é retirar o preço teto de classes de medicament­o em que há baixa concentraç­ão de mercado.

“Não há sentido em apagar incêndio com medidas pontuais. O que deveria ser feito é uma discussão madura para modernizar a regulação dos preços

Ana Carolina Navarrete coordenado­ra do programa de Saúde do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)

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