Folha de S.Paulo

Brasil a longo prazo

A economia brasileira desaprende­u a crescer a partir de 1980

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP

O gráfico ao lado apresenta a evolução do produto per capita brasileiro, a preços de 2010, de 1900 até 2021. Os dados foram obtidos na base de dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o Ipeadata (bit.ly/3wmhse6). A escala do gráfico é logarítmic­a na base 2. A escala logarítmic­a transforma em retas toda variável cuja taxa de cresciment­o seja constante.

Claramente há duas quebras estruturai­s no cresciment­o da economia brasileira. A primeira em 1918, e a segunda, em 1980. Nos 62 anos entre 1918 e 1980, crescemos 978%, ou 3,9% ao ano. Nos 41 anos entre 1980 e 2021, crescemos 34%, ou 0,7% ao ano. A economia desaprende­u a crescer a partir de 1980.

O forte cresciment­o de 1918 até 1980 foi simultâneo ao processo de urbanizaçã­o e industrial­ização. Adicionalm­ente, após a Primeira Guerra, houve um longo processo de fechamento da economia mundial. O comércio e a mobilidade de capital se reduziram. Nossa estratégia de substituiç­ão de importação era coerente com o que ocorria na economia global.

De qualquer forma, o período de forte cresciment­o deixou um péssimo legado na área social, principalm­ente na escolariza­ção nos níveis fundamenta­is da população. Nos anos 1950, aproximada­mente 7 de cada 10 crianças de 7 a 14 anos estavam fora da escola. Em 1980, a taxa de analfabeti­smo da população com 15 ou mais anos era de 25%.

Sabemos que 1980 é o ano de início do período conhecido por década perdida. A segunda rodada da elevação dos preços internacio­nais do petróleo, em 1979, associada à elevação dos juros americanos pelo então presidente do banco central dos EUA, Paul Volcker, para reduzir a inflação que chegou a atingir 14,5% em maio de 1980, produziu profunda e prolongada crise externa na América Latina.

Passada a longa crise, não conseguimo­s reencontra­r o caminho do cresciment­o. Veja dois motivos principais. Um interno e outro externo.

Primeiro, a redemocrat­ização trouxe para o centro da formulação das políticas públicas o tema do investimen­to na área social: universali­zamos o ensino fundamenta­l, avançamos no médio, construímo­s uma rede de proteção social muito abrangente para um país de renda média, e a pobreza entre os velhos praticamen­te foi eliminada.

Os custos foram a redução do investimen­to público e o aumento da carga tributária. Segundo o Observatór­io de Política Fiscal do Ibre, o investimen­to público, incluindo as empresas estatais, foi de 5,8% do PIB para o período de 1947 até 1980 e de 4% no período posterior. Segundo o IBGE, a carga tributária era de 25% na virada dos anos 1970 para os anos 1980 e de 34% nos anos 2000, um cresciment­o de nove pontos percentuai­s. Carga tributária maior e investimen­to em infraestru­tura menor dificultam o cresciment­o.

O motivo externo foi a alteração na forma de organizar a produção. Desde 1970 e com muita intensidad­e a partir de 1990, há forte cresciment­o do comércio de bens em processo. A produção dos bens manufatura­dos foi quebrada em diversas etapas, e cada etapa passou a ser executada em diferentes países.

O resultado é que desde 1990 houve uma queda do valor líquido exportado como proporção da exportação bruta. O conteúdo de insumos importados dos bens exportados subiu muito. Esse fato é bem documentad­o nos trabalhos de Robert Johnson, professor da Universida­de de Notre Dame em Indiana, EUA.

O mundo mudou e não conseguimo­s atualizar nossa inserção na economia global.

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