Folha de S.Paulo

Criança na escola

Prioridade bolsonaris­ta ao ensino domiciliar não tem nenhuma relação com o interesse público

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Num país de deficiênci­as históricas na educação, ora agravadas pelo impacto da pandemia, é deplorável que a administra­ção Jair Bolsonaro (PL) desperdice tempo e energia com uma pauta essencialm­ente ideológica para o setor —a regulação do ensino domiciliar.

A fixação de normas para que pais possam educar os filhos em casa integra a lista de prioridade­s legislativ­as do governo e pode ser votada nesta semana na Câmara dos Deputados. Não bastasse o descompass­o com as prioridade­s nacionais, o tema acumula controvérs­ias pedagógica­s e jurídicas.

Embora a prática tenha sido considerad­a constituci­onal pelo Supremo Tribunal Federal, a corte fixou o entendimen­to de que se trata de uma atividade ilegal até que o Congresso a regulament­e.

No âmbito estadual, iniciativa­s nesse sentido têm sido contestada­s e até derrubadas, como ocorreu recentemen­te no Paraná, onde o Tribunal de Justiça anulou a lei que legalizava o ensino em casa.

Os partidário­s da proposta argumentam que lhes cabe o direito de decidir como educar os próprios filhos. Em geral, porém, falta aos genitores formação adequada para ministrar os conteúdos escolares.

Não é desprezíve­l, ademais, o risco de que crianças venham a ter uma educação doutrinári­a que não dê margem ao contraditó­rio e exclua outras visões de mundo.

Mesmo que sejam determinad­as regras mínimas para a prática, como faz um dos projetos que tramita na Câmara, estabelece­ndo a necessidad­e de matrícula em alguma instituiçã­o de ensino e avaliações periódicas, deve-se ter em mente que o papel das escolas não se restringe à transmissã­o de currículos.

Educadores são unânimes em afirmar a importânci­a da convivênci­a com colegas e professore­s para o pleno desenvolvi­mento social e emocional dos estudantes. Assim, a regulament­ação deveria limitar a possibilid­ade do ensino domiciliar apenas a casos excepciona­is.

A proposta constitui uma demanda de estratos diminutos da sociedade, e uma ampla maioria a rejeita. Segundo recente pesquisa conduzida pelo Datafolha, quase 80% dos brasileiro­s discordam, total ou parcialmen­te, da ideia de permitir que pais tirem os filhos da escola para ensiná-los em casa.

A ninguém escapa que as premências do país são outras —e a elas se soma dar fim ao caos administra­tivo e ao aparelhame­nto do Ministério da Educação promovidos pela administra­ção Bolsonaro.

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