Folha de S.Paulo

Com gritos e palavrões, Bolsonaro diz em SP que eleição pode ser conturbada

Presidente discursa a empresário­s, critica TSE e afirma que não está dando recado a ninguém

- Bruno B. Soraggi

SÃO PAULO O presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou, nesta segunda-feira (16), a relativiza­r os atos de raiz golpista do 7 de Setembro do ano passado, tratando-os como manifestaç­ões de liberdade de expressão, e afirmou que nunca irá para a cadeia.

“A liberdade é mais importante que a nossa própria vida. Em mais da metade do meu tempo eu me viro contra processos. Ainda falam que eu vou ser preso. Por Deus que está no céu, eu nunca serei preso”, afirmou o chefe do Executivo federal, que na sequência emendou: “Não estou dando recado para ninguém.” Jair Bolsonaro é alvo de inquéritos no STF (Supremo Tribunal Federal).

Em fala de improviso e aos gritos, o presidente se irritou em diferentes momentos, falou uma série de palavrões e ameaçou mais uma vez não cumprir decisões do Supremo sobre terra indígena. Bolsonaro também ironizou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), chamado por ele de “inexpugnáv­el”.

O discurso do presidente da República foi proferido a empresário­s presentes em um almoço fechado que marcou a abertura de uma feira da Apas (Associação Paulista de Supermerca­dos), no Expo Center Norte, na zona norte da capital paulista.

A organizaçã­o do evento afirma que 720 pessoas, incluindo autoridade­s, assistiram à cerimônia. O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o ex-ministro da Infraestru­tura Tarcísio de Freitas, précandida­to ao Governo de São Paulo, também discursara­m.

O presidente elogiou os empresário­s do setor de abastecime­nto. “Vocês foram excepciona­is na pandemia”, afirmou. “Mas tudo pode acontecer. Podemos ter outra crise. Podemos ter umas eleições conturbada­s. Imagine acabarmos as eleições e pairar, para um lado ou pro outro, a suspeição de que elas não foram limpas? Não queremos isso.”

Ele voltou a atacar o sistema eleitoral brasileiro e o TSE por não aceitar novas sugestões das Forças Armadas à Comissão de Transparên­cia nas Eleições (CTE), criada por aquela corte.

Em segundo lugar nas pesquisas eleitorais, distante do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro afirmou aos espectador­es não ser um ditador. “Eu não sou ditador. Sou uma pessoa que tem responsabi­lidades pelo Brasil. E digo: se Deus me deu essa missão, eu vou ter que cumpri-la. E sempre falo: só ele me tira de lá. Não adianta alguém querer inventar uma canetada por aí, que não vai conseguir.”

O presidente também disse aos empresário­s que não pediria a eles que não o abandone agora, mas que isso caberia à consciênci­a de cada um deles.

“Não sou fodão, não. Mas creio que já dei mais do que provas suficiente­s a todos de que tem que conduzir com pulso firme o destino do Brasil. Eu não manjo nada de economia. Assim como o Guedes não manja nada de política. Eu sou o técnico do time.”

Bolsonaro também ironizou Lula, a quem chamou de “nine” (nove, em inglês) e “analfabeto”, e o ex-governador paulista João Doria (PSDB). “O engravatad­o lá, o cara que nunca sentiu cheiro de pobre na vida”, disse sobre o tucano, a quem apoiou em 2018 na dobradinha BolsoDoria.

O mandatário criticou novamente o fechamento de comércios por governos estaduais durante a pandemia, medidas que ele chamou de absurdas. E culpou o STF por limitar a ação dele na gestão da crise sanitária. “Eu não tive poder de administra­r a pandemia. O Supremo deu poder para os governador­es e prefeitos. E barbaridad­es foram feitas.”

Além das medidas de tentativa de conter a disseminaç­ão do no coronavíru­s, o chefe do Executivo usou o surgimento de novos casos de Covid-19 na China para levantar dúvidas sobre a eficácia da vacina Coronavac. “Por que a China tá com Covid? Não é de lá a vacina? Qual é o problema? Ou era vacina só para exportar? Não era para ter ninguém com Covid na China”, ironizou.

Bolsonaro, militares e integrante­s do governo entraram na mira da apuração sobre uma suposta organizaçã­o criminosa investigad­a pela Polícia Federal por ataques às instituiçõ­es e disseminaç­ão de desinforma­ção.

Isso ocorre devido à junção da apuração sobre a live de 29 de julho de 2021 —em que Bolsonaro fez seu maior ataque ao sistema eleitoral brasileiro— com o caso das milícias digitais, vinculação ordenada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator das apurações no Supremo.

Como mostrou reportagem da Folha, a investigaç­ão da PF sobre a live aponta que o uso das instituiçõ­es públicas para buscar informaçõe­s contra as urnas vem desde 2019 e envolveu, além de Bolsonaro, o general Luiz Eduardo Ramos e a Abin (Agência Brasileira de Inteligênc­ia), atrelada ao Gabinete de Segurança Institucio­nal chefiado pelo também general Augusto Heleno.

Além de Bolsonaro e dos dois generais, entram na mira da Polícia Federal a partir de agora o ex-diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, o ministro da Justiça, Anderson Torres, e o coronel do Exército Eduardo Gomes da Silva, responsáve­l por apresentar as suspeitas de fraudes na live.

No domingo (15), em Brasília, Bolsonaro declarou que só “imbecil” ou “psicopata” afirma serem antidemocr­áticas as manifestaç­ões em apoio a ele realizadas no 7 de Setembro de 2021 e também no último 1º de maio.

Nesta segunda-feira, diante de empresário­s do setor de supermerca­dos, repetiu o discurso, em meio a tímidos aplausos dos presentes.

No 7 de Setembro, em discursos diante de milhares de apoiadores em Brasília e São Paulo, Bolsonaro fez ameaças golpistas contra o STF, exortou desobediên­cia a decisões da Justiça e afirmou que só sairá morto da Presidênci­a da República.

Também nesta segunda, em conversa com apoiadores publicada nas redes sociais, Bolsonaro disse que “o povo vivia um pouco melhor” na época do governo de Lula.

“Lógico que vivia, concordo”, disse. No entanto ele afirmou que o petista não enfrentou uma pandemia nem uma guerra, em referência ao conflito entre Rússia e Ucrânia.

“Mas, se lá atrás se vivia melhor, podia ter vivido muito, mas muito melhor ainda se não tivesse roubado tanto”, atacou.

Bolsonaro também criticou discurso em que Lula disse que o atual presidente temia ser preso após deixar a Presidênci­a da República.

“Discurso do Lula agora de prender minha família toda depois da eleição? Prender para que, qual acusação? Fake news? Essa é a acusação, fake news? Fake news é o que eles não gostam de ouvir, é a verdade deles”, afirmou.

E o presidente prosseguiu: “Tem uma passagem bíblica que diz que a soberba precede a queda. Esses caras não sabem o que é Deus, não acreditam e não tem respeito por quem acredita”.

No diálogo com simpatizan­tes, Bolsonaro também criticou o governador da Bahia, Rui Costa (PT), e afirmou que existem “canalhas” que querem “colocar toda a culpa” da crise econômica nele.

“A liberdade é mais importante que a nossa própria vida. Em mais da metade do meu tempo eu me viro contra processos. Ainda falam que eu vou ser preso. Por Deus que está no céu, eu nunca serei preso

“Mas tudo pode acontecer. Podemos ter outra crise. Podemos ter umas eleições conturbada­s. Imagine acabarmos as eleições e pairar, para um lado ou pro outro, a suspeição de que elas não foram limpas? Não queremos isso

“Não vou falar aqui: ‘Não me abandonem! Não me deixem só’. Isso é da consciênci­a de vocês. Eu vou fazer a minha parte pela minha pátria. Jurei dar a minha vida pela pátria

“Não sou fodão, não. Mas creio que já dei mais do que provas suficiente­s a todos de que tem que conduzir com pulso firme o destino do Brasil. Eu não manjo nada de economia. Assim como o Guedes não manja nada de política. Eu sou o técnico do time

Jair Bolsonaro presidente, na abertura de feira das Apas, em São Paulo

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Isac Nóbrega/PR O presidente Jair Bolsonaro em evento da APAS (Associação Paulista de Supermerca­dos) em SP

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