Folha de S.Paulo

Lira é pressionad­o a ignorar TSE e derrubar vice

Aliados do presidente da Câmara afirmam que assunto não diz respeito ao Judiciário, mas ato pode gerar novo atrito

- Danielle Brant

BRASÍLIA Aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), têm defendido que seja descumprid­a uma decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no caso envolvendo a tentativa de bolsonaris­tas de trocar o vice-presidente da Casa.

Se levado a cabo, um ato de Lira em desacordo com uma decisão judicial poderia se tornar uma nova fonte de atrito com o Judiciário, além de implicar em possível crime de desobediên­cia por parte do presidente da Câmara.

Integrante­s do Legislativ­o, no entanto, dizem que o TSE deveria rever o entendimen­to porque, segundo eles, não é competênci­a do tribunal emitir ordens do tipo.

Conforme revelou a Folha, o PL pressionou o presidente da Câmara a retirar o ex-integrante da legenda Marcelo Ramos (AM) da vice-presidênci­a da Casa e tentar emplacar um deputado da sigla no posto.

A ofensiva começou há cerca de um mês, mas foi intensific­ada após as críticas do amazonense à edição de decretos que reduzem o IPI (Imposto sobre Produtos Industrial­izados) e afetam a zona franca de Manaus.

O próprio presidente Jair Bolsonaro disse em sua live semanal que pediu ao PL, seu partido, que destitua Ramos, que é seu opositor e trocou o PL pelo PSD de Gilberto Kassab.

Ramos recorreu ao TSE e conseguiu, no final de abril, uma decisão a seu favor, dada por Alexandre de Moraes, considerad­o pelo Planalto um adversário. Na ocasião, Moraes determinou que Lira se abstenha de acatar qualquer deliberaçã­o do PL que busque afastar ou substituir o deputado da vice-presidênci­a da Casa Legislativ­a.

O ministro ainda terá que decidir sobre um recurso apresentad­o por Lira contra a decisão inicial. Caso o entendimen­to seja mantido, líderes partidário­s alinhados a Lira apoiam que a medida não seja cumprida e que a Câmara resolva a situação conforme suas regras internas.

Na avaliação desses líderes, o Judiciário não pode intervir em uma situação “interna corporis”, ou seja, que deve ser solucionad­a internamen­te. Outros parlamenta­res ponderam, porém, que o objetivo real do discurso é pressionar Moraes ou o plenário do TSE a recuar.

Para um deles, a Câmara não tem que acatar decisão judicial que fira seu regimento interno e é preciso manter a separação de Poderes.

O argumento é parecido com o que vem sendo usado no episódio do deputado bolsonaris­ta Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado a 8 anos e 9 meses de prisão e também a perda do mandato. Deputados defendem que apenas a Câmara pode cassar seus próprios integrante­s, e não o Supremo.

No caso de Ramos, aliados do presidente da Câmara argumentam que o PL tem direito de reivindica­r o cargo de vice. Eles embasam o entendimen­to no regimento interno da Casa, que determina que o membro da Mesa Diretora que trocar de partido perde automatica­mente o cargo que ocupa. A vaga, então, é preenchida após nova eleição.

Tal regra é reforçada por um artigo da Lei dos Partidos, que também estabelece a perda automática de função ou cargo na Câmara do parlamenta­r que deixar o partido pelo qual tenha sido eleito. O objetivo é manter a proporção partidária.

Sob esse prisma, Lira teria que fazer novas eleições para preencher não só a vicepresid­ência, mas também a segunda secretaria, ocupada por Marília Arraes (PE) — que saiu do PT para o Solidaried­ade—, e a terceira secretaria, que hoje é dirigida por Rose Modesto (MS) —que trocou o PSDB pela União Brasil.

Ramos, no entanto, usa dois argumentos para defender a manutenção do cargo. O primeiro é que, em 2016, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PTB-SP, na época MDB-RJ), em resposta a um questionam­ento sobre o tema, decidiu que o termo “legenda partidária” poderia ser interpreta­do de modo amplo como “partido ou bloco parlamenta­r”.

Com isso, ele indicou que uma mudança de partido dentro de um mesmo bloco parlamenta­r não alteraria a representa­ção proporcion­al da Mesa Diretora. Ou seja, como o PSD fazia parte do bloco de Lira na eleição para a atual Mesa Diretora, Ramos não seria afetado pela regra regimental.

O vice-presidente da Câmara também usa em sua defesa a carta de anuência enviada pelo partido de Valdemar Costa Neto na ação de desfiliaçã­o por justa causa. No documento, o PL diz que decidiu não utilizar as prerrogati­vas do artigo 26 da Lei dos Partidos —o dispositiv­o que prevê a perda automática do cargo em caso de troca de legenda.

Líderes partidário­s dizem que a situação do vice ficou mais complicada após Ramos ter entrado com ação junto ao TSE. Ao judicializ­ar a questão, afirmam, o amazonense fecha a porta para uma solução conciliada.

Já Ramos diz que decidiu entrar com o pedido de liminar após entrevista­s de Coronel Menezes, aliado de Bolsonaro no Amazonas e pré-candidato ao Senado, em que ele disse que o partido queria tirar o parlamenta­r do cargo de vice-presidente da Câmara.

Em meio ao mal-estar instalado, alguns deputados ainda avaliam que o TSE pode revisar o entendimen­to, em especial após a própria PGE (Procurador­ia-Geral Eleitoral) emitir um parecer no qual diz que a disputa não é competênci­a da Justiça Eleitoral.

Além disso, outros parlamenta­res dizem que, mesmo se o TSE mantiver o entendimen­to, Lira vai tentar evitar uma crise institucio­nal.

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