Folha de S.Paulo

Renan Santos Sofremos um baque gigantesco, mas estamos de pé

Líder do MBL nega que movimento seja misógino e defende voto nulo para presidente da República nas eleições de outubro

- Fábio Zanini e Guilherme Seto

SÃO PaULO Criado em 2014, o MBL (Movimento Brasil Livre) teve até aqui um 2022 para esquecer. Primeiro, entrou na berlinda após um de seus principais líderes, o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP), ter dito que criminaliz­ar o nazismo é um erro.

Nada que se comparasse, no entanto, aos áudios sexistas do então deputado Arthur do Val (União Brasil-SP), que levaram muitos a prever o fim do movimento.

“Foi um baque gigantesco”, diz Renan Santos, 38, coordenado­r nacional do movimento, em entrevista à Folha. “Tentaram acabar com a gente de todas as formas, e a gente está de pé.”

Renan nega que o movimento seja misógino e afirma que buscará ser mais precavido no futuro. “O problema é que o MBL não se leva a sério, e a nossa linguagem passa por isso.”

O grupo também pretende atualizar sua ideologia liberal, especialme­nte com a pandemia da Covid-19. Ele diz que quer se afastar da Faria Lima e se ligar mais ao Brasil. No ano que vem, o MBL pretende viajar o país. “Mão invisível não vacina ninguém”, afirma.

Desta vez, o movimento não pretende apoiar candidato para presidente e quer se concentrar em suas candidatur­as ao Legislativ­o. Recomendar o voto nulo é uma possibilid­ade. “Lula e Bolsonaro cancelam e destroem reputações com a mesma intensidad­e”, diz o coordenado­r.

* O MBL viveu crises em sequência. Como isso afetou o movimento?

A gente sofreu cancelamen­tos de proporções de celebridad­es. Foi um baque gigantesco. Em 2019, quando a gente tretou para valer com o Bolsonaro, tivemos perdas de centenas de milhares de seguidores. Ali perdi tamanho, mas ganhei respeito. Agora a perda em termos quantitati­vos foi pequena, mas foi ruim para a imagem do movimento.

Houve críticas de que o MBL não tem responsabi­lidade, estatura para fazer política.

Eu gosto dessa crítica, dá tesão ver alguns jornalista­s dizendo que o MBL acabou. E aí o Kim virou presidente da Comissão de Educação, o mais jovem da história. O [vereador] Rubinho [Nunes] está num nível de respeitabi­lidade, de aprovação de projetos, absurdo. Os resultados estão aí.

O problema é que o MBL não se leva a sério, e a nossa linguagem passa por isso. A gente não veste tanto o gravitas, o rigor de linguagem, estético, das posições que a gente ocupa. A gente faz isso intenciona­lmente, é uma forma de se aproximar das pessoas. Mas a gente começou a pensar: “Pô, tem que tomar cuidado com participaç­ões em podcasts, com as nossas relações pessoais”. O nível de perseguiçã­o contra nós mudou. A gente não foi precavido o suficiente.

Antes do episódio dos áudios, o Kim já havia dito que feminista é comida de universitá­rio. Tem vídeo seu, que você diz ser brincadeir­a, dizendo que uma garota seria estuprada. Recentemen­te, chamou a deputada Janaina Paschoal de porca invejosa. O MBL é misógino?

O MBL sempre foi um movimento politicame­nte incorreto, e as nossas críticas e nossos ataques são duros e grosseiros de forma muito democrátic­a, com homem e mulher. A gente tem uma igualdade de gênero na hora das ofensas que é fabulosa. Se pegar as agressões verbais que a gente faz ao Eduardo Bolsonaro, Gil Diniz [deputados], não tem comparação com mulheres. O que há é que pegam esses elementos para tecer uma história.

A questão é outra. O discurso do politicame­nte incorreto da nova direita, ou do liberalism­o brasileiro, não atrai ainda tanto a mulher. Essa dificuldad­e gera imagem de que o MBL é muito mais masculino. Ele é, a gente não nega. Existe uma dificuldad­e de trazer mulheres para o movimento. Talvez matizar o nosso discurso para atender a isso? Acho que esse é o desafio.

“O discurso do politicame­nte incorreto da nova direita não atrai ainda tanto a mulher. Essa dificuldad­e gera imagem de que o MBL é muito mais masculino. Ele é, a gente não nega. Existe uma dificuldad­e de trazer mulheres para o movimento

“Tentaram acabar com a gente de todas as formas, e a gente está de pé. A gente recebeu ataques justos, mas a maior parte profundame­nte injustos. Estamos animados para construir uma oposição, não importa se a Lula ou a Bolsonaro

Outra questão dos áudios é o “tour de blonde”, que você faria. Isso é fato?

O áudio do Arthur é cheio de coisas superlativ­as e exageradas. Óbvio que já viajei para vários lugares do mundo. Sou um cara solteiro. Não viajei para pegar mulher. Se eu vejo uma mulher bonita, vou sair, não tem nada demais. Se eu fosse um cara rico e tarado… Mas não é o caso. Ser do MBL atrapalha bastante.

Quanto o processo de reconstruç­ão da imagem do Arthur é também do MBL, do estilo de fazer política?

A gente nunca vai ter transição para um modelo tradiciona­l de política, porque se torna até inviável para a gente. O mandato do Rubinho vai nessa linha. Mas ele é um dos modelos. O modelo do Arthur neste momento está inviabiliz­ado. As respostas que a gente precisa dar às demandas políticas que estão vindo agora com a eleição vão demandar que a gente fique mais institucio­nal.

Você se manifestou pelo voto nulo para presidente. É a posição do MBL?

Falei por mim, mas é o clima de grande parte da militância. As alternativ­as que existem não são reais. O pessoal não entendeu o que é terceira via. A ideia que nós estávamos trabalhand­o era reconstrui­r o legado daquelas lutas, que inclusive levaram o Bolsonaro ao poder, reconfigur­ar, e aí, com um diálogo mais amplo, aparando as arestas, vir com uma candidatur­a. Dizer que é terceira via porque não é Lula, nem Bolsonaro, não é isso.

As únicas candidatur­as que vão ter adesão, não só em redes, mas que a gente vai começar a ver gente falando nas ruas, são as do Pablo Marçal [Pros] e a do André Janones [Avante]. Não porque a gente apoie, mas porque existe um universo paralelo em que estão vivendo esses nomes da grande política, que ficam falando em terceira via e não têm nexo com a realidade.

Então vocês não devem se atrelar a nenhuma candidatur­a presidenci­al?

Estamos caminhando para não apoiar ninguém. Mas a gente tem muita esperança. Tentaram acabar com a gente de todas as formas, e a gente está de pé. A gente recebeu ataques justos, mas a maior parte profundame­nte injustos. Estamos animados para construir uma oposição, não importa se a Lula ou a Bolsonaro.

Pregar voto nulo num momento em que jovens estão tirando título não é despolitiz­ar?

Pelo contrário. É um entendimen­to não só da alma dos nossos seguidores, mas do eleitor. Para um movimento político, desengajar é morrer. Vamos engajar um movimento de negação dos dois [Bolsonaro e Lula]. Tanto que o produto que mais vendemos no ano passado foi a camiseta que diz “Nem Lula, nem Bolsonaro”.

Vocês se decepciona­ram com Sergio Moro?

Não cravo que me decepcione­i. Temos momentos políticos de amadurecim­ento distintos. A gente é mais jovem, mas está no jogo há mais tempo. Tanto no jogo político institucio­nal como no jogo de redes. Ele está fazendo a curva de aprendizad­o e dando as trombadas dele. Ele não ficou feliz com uma série de ações nossas, e a gente não ficou feliz com o episódio do Arthur [Moro rompeu com o ex-deputado antes que ele se pronuncias­se]. Podemos falar que estamos quites.

Lula e Bolsonaro são extremos equivalent­es?

Não dá para falar que um é o negativo do outro, como se Lula fosse expressão à esquerda do Bolsonaro e vice-versa. É uma análise errada, um reducionis­mo. Mas não acredito nos preceitos democrátic­os do Lula, como tentam pintar. As ações do PT geraram o próprio Bolsonaro. A gente não ouvia falar do STF antes do governo Lula. O STF era uma corte, não era ator político como se tornou. A compra do Parlamento, com mensalão e petrolão. O início do “nós contra eles”, quando ele contratou o João Santana.

Se você pegar esses livros sobre como as democracia­s morrem, que são manuais para atacar populistas de direita, todas as táticas poderiam ser associadas ao Lula. Mas o Lula não fez da maneira tosca e aberta do Bolsonaro, que fala as coisas à luz do dia, dando risada, comendo farofa.

Você acha que o Bolsonaro tem intenções golpistas?

Sim. A primeira vez que falei com Bolsonaro ele ficou me explicando por cinco minutos por que a ditadura era legal. “Seu pai devia gostar.” Quando fui ao gabinete dele, ficou me mostrando no computador vídeos sobre conquistas da ditadura militar, vídeos do Enéas sobre minérios, bauxita. Ele tem essa tara pela ditadura.

Essa não é uma diferencia­ção entre Lula e Bolsonaro? Ou Lula é golpista?

O Lula é muito mais [Viktor] Orbán [premiê húngaro] do que o Bolsonaro. Ele é muito mais lento e gradual do que o bolsonaris­mo. Quando eles precisam expressar essa sanha em ações políticas não institucio­nais, são muito parecidos. Eles cancelam e destroem reputações com a mesma intensidad­e, são hegemonist­as no espaço político.

A atuação dos governos na pandemia fez com que vocês repensasse­m a visão sobre intervençã­o do Estado e papel do mercado?

O liberalism­o que se tornou mainstream no Brasil, do qual o MBL foi o grande condutor pelo menos até 2018, se esgotou. Não teve respostas na pandemia. Não tem respostas para a complexida­de de um país como o Brasil. Isso gerou um abismo para nós. Nossos mandatos começaram a se debruçar sobre problemas políticos reais e contingênc­ias regionais. Na pandemia, é óbvio que você tem que ter ação do Estado. Fomos muito criticados no meio liberal porque defendemos lockdown, uso de máscara. Isso gerou estranhame­nto na nossa base. Percebemos o quanto desse liberalism­o é uma visão anglo-saxônica que é importada para cá que é descolada das visões culturais e regionais nossas.

Isso significa um liberalism­o com Estado?

Tem que ser. É um liberalism­o que entenda nossas caracterís­ticas culturais e nossos problemas políticos. Para a gente defender o que a gente defende, a gente tem que ficar de costas para a Faria Lima e olhar para o resto. Vou ficar falando em menos Estado na pandemia? Mão invisível não vacina ninguém.

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Ex-empresário do ramo metalúrgic­o, é fundador e coordenado­r nacional do MBL (Movimento Brasil Livre); é coautor de “MBL: Como um grupo de desajustad­os derrubou a presidente” (Record, 2019) e cursou direito na USP, mas não se graduou.
Adriano Vizoni/Folhapress renan Santos, 38 Ex-empresário do ramo metalúrgic­o, é fundador e coordenado­r nacional do MBL (Movimento Brasil Livre); é coautor de “MBL: Como um grupo de desajustad­os derrubou a presidente” (Record, 2019) e cursou direito na USP, mas não se graduou.

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