Folha de S.Paulo

Conta de energia explode e deflagra debate sobre como reduzir preço

Alta média será de 17% no Nordeste e de 13% no Sudeste; Congresso e governo avaliam tirar encargos

- Alexa Salomão

BRASÍLIA Após dois anos com medidas para segurar aumentos, os reajustes da conta de luz serão elevados em 2022. Os brasileiro­s vão pagar ao menos 12% mais na tarifa residencia­l na média do país, quase quarto pontos percentuai­s acima do reajuste do ano passado, que foi de 8%.

O cálculo, feito pela TR Soluções —empresa de tecnologia especializ­ada em tarifas de energia—, não leva em conta impostos (que variam de estado para estado) nem a bandeira tarifária —que, se subir, pode elevar ainda mais o custo da eletricida­de.

O maior peso será sentido no Nordeste: a tarifa residencia­l ficará 17% mais cara no ano em média, praticamen­te dez pontos percentuai­s acima do reajuste médio no ano passado, que foi de 6,9%.

Nos reajustes já divulgados, entre janeiro e abril, as distribuid­oras da região são destaque em aumentos. Neoenergia Cosern, no Rio Grande do Norte, teve alta acima de 20%. A Coelba, na Bahia, 21%.

A recordista foi a Enel Ceará, com reajuste acima de 24%. O baque foi tão forte no estado que deflagrou uma reação extrema na bancada do Ceará na Câmara e levantou uma discussão no Congresso e no governo, sobre a necessidad­e de mudar a estrutura da conta de luz no Brasil.

Para forçar o debate, o deputado Domingos Neto (PSD-CE) propôs, e conseguiu aprovar, a urgência na tramitação de um PLD (projeto de decreto legislativ­o) para suspender na caneta o reajuste no Ceará. Foram 410 votos a favor e 11 contra. Na ocasião, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), disse que o projeto ainda poderia incluir outros estados com reajustes elevados.

Posto o bode na sala, a reação das associaçõe­s empresaria­is foi imediata: a suspensão seria quebra de contrato, elevaria o risco Brasil e afastaria investidor­es. Uma audiência publica na Comissão de Minas e Energia da Câmara, na quinta (12), reuniu represente­s de todos os segmentos para debater soluções estruturai­s.

“Se a gente levar a plenário, o PLD passará, porque ninguém vai ter coragem de votar contra no meio dessa crise e em um ano eleitoral”, diz o deputado Vaidon Oliveira (União-CE), relator do decreto.

“Mas analisamos as justificat­ivas para o aumento no Ceará, estão muito bem explicadas em quase mil páginas de um relatório. A gente até pode derrubar com duas folhas de papel, mas é importante conversar com a bancada de outros estados antes.”

Segundo Oliveira, existe uma certa expectativ­a em relação aos reajustes em São Paulo e Minas Gerais, que tendem a vir igualmente elevados e sensibiliz­ar os deputados desses estados. Para Minas, por exemplo, fontes do setor que preferem anonimato projetam alta de 20%; São Paulo deve ter patamar semelhante.

No levantamen­to da TR Soluções, o Sudeste é o segundo no ranking de altas na conta de luz, com aumento médio de 13%. A região também teve um repique, uma vez que o aumento foi de 7,5% em 2021.

No Norte, a alta será de 10% na média, após 8,8% em 2021.

As demais regiões seguem outra tendência. Os aumentos no Centro-Oeste se mantêm elevados, mas com um pequeno alívio. Depois de assimilar uma alta de 11% no ano passado, o consumidor dessa região vai pagar 9,5% de reajuste na média neste ano.

Já no Sul a retração é expressiva. A conta, na média, vai subir 3% neste ano, depois de alta de 8,5% em 2021. São reajustes bem abaixo da inflação.

No levantamen­to, a TR considera as suas projeções para o ano e o valor de tarifas já homologada­s pela Aneel, a agência do setor. “Detalhes do contrato, a data em que ocorre o reajuste e a variação do peso de encargos setoriais explicam a diferença”, afirma Helder Sousa, diretor de Regulação da TR Soluções.

No caso do Sul, por exemplo, os reajustes ocorrem no fim do ano: assim, a conta da seca foi contabiliz­ada antes. Três das quatro distribuid­oras na região têm contratos novos, que fizeram alterações como mudar o indexador de IGP-M para IPCA. Das 53 distribuid­oras do país, 18 ainda usam o IGP-M, que sofre um forte impacto quando há aumento no dólar. Boa parte delas está no Nordeste.

Também pressionam os reajustes itens excepciona­is. Entre eles, o pagamento de parcelas do empréstimo bilionário para pagar a energia mais cara das térmicas, na crise hídrica do ano passado. Também há repasses da chamada conta Covid, outro empréstimo que bancou as perdas das empresas com a queda no consumo no auge da pandemia.

“Mas o que pesa mesmo na conta de luz são os encargos e impostos”, afirma o presidente da Abradee, entidade que representa as distribuid­oras, Marcos Madureira. Esses dois itens respondem por praticamen­te metade da conta de luz.

E é para cima desses dois itens que o debate avança.

Já se cogita colocar em discussão um projeto de Paulo Ganime (Novo-RJ) que propõe tirar da conta de luz e transferir para o Orçamento a CDE (Conta de Desenvolvi­mento Energético). Esse fundo setorial foi criado em 2002, para bancar políticas públicas na área de energia e abriga benesses criadas pelo próprio Congresso.

“Tem muita coisa na conta de energia que não deveria estar lá”, afirma o diretor-presidente da consultori­a PSR, Luiz Augusto Barroso, que também comandou a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

Ele argumenta que a CDE banca energias ultrapassa­das. É o caso das térmicas a carvão e das usinas de óleo combustíve­l instaladas em áreas que não estão ligadas ao sistema nacional, em parte porque os próprios governador­es não têm interesse em abrir mão do ICMS cobrado sobre o combustíve­l.

Também dá subsídio a quem não precisa. Na lista estão descontos para área rural, que incluem ajudar na conta de irrigação de grandes produtores e exportador­es de grãos, e dos parques de energia renovável, que já se tornaram negócios estabeleci­dos e não precisam de ajuda financeira.

“A CDE é um amontoado de políticas públicas, sobre o qual até se cobram impostos, elevando ainda mais um custo que já se mostra insustentá­vel”, diz o diretor de Energia Elétrica na Abrace, que representa grandes consumidor­es, Victor Iocca.

Neste ano, está distribuin­do R$ 32 bilhões em subsídios, 34% mais que no ano passado. Cerca de R$ 30 bilhões são pagos pelo consumidor final. “Para ter uma ideia do que é isso, o valor equivale a 10% de todo o faturament­o do setor.”

Segundo a própria Aneel, a CDE elevou a conta do Brasil em 3,4% neste ano. Sudeste, Sul e Centro-Oeste receberam o maior impacto —4,7%.

Mas 2,4% do aumento no Norte e no Nordeste também vem daí. Essas regiões não pagavam CDE e estão agora na fase de transição, em que a parcela do repasse aumenta ano a ano.

No que se refere aos tributos, os congressis­tas colocaram o ICMS na discussão. Durante a audiência na Comissão de Minas e Energia da Câmara, foi defendido que o estados avaliem reduzir o tributo na conta de luz.

Segundo o superinten­dente de Gestão Tarifária da Aneel, Davi Antunes Lima, o ICMS responde por 21% da tarifa total. “Uma flexibiliz­ação da alíquota poderia reduzir o custo ao consumidor em até 5%.”

Também está em discussão ampliar o uso dos créditos tributário­s gerados por cobranças indevidas de PIS/Cofins já garantidos judicialme­nte. Cerca de R$ 12 bilhões foram utilizados para abater tarifas em várias distribuid­oras, mas há mais de R$ 40 bilhões que ainda podem ser utilizados, de forma escalonada, para segurar os reajustes.

O tema será debatido na Comissão de Infraestru­tura do Senado, nesta terça (17) por iniciativa do senador Fábio Garcia (União-MT). O senador quer garantir a integralid­ade dos créditos para abater a conta de luz. Como eles foram conseguido­s judicialme­nte pelas distribuid­oras, atualmente, as empresas tentam ficar com parte dos recursos.

“Tem muita coisa na conta de energia que não deveria estar lá Luiz Augusto Barroso diretor-presidente da consultori­a PSR

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