Folha de S.Paulo

Nossa pequena luz, vamos deixar brilhar

Cuidar das pessoas é um dos melhores caminhos para induzir progressos sociais substantiv­os

- Michael França Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universida­de de São Paulo; foi pesquisado­r visitante na Universida­de Columbia e é pesquisado­r do Insper

O título é uma homenagem à música “This Little Light of Mine”, de Raffi Cavoukian e Kenneth Whiteley, interpreta­da por Odetta.

O principal legado que deixaremos no mundo não é marcado pelas posições sociais que atingimos, mas pelo impacto que tivemos nas vidas das pessoas. Assim como herdamos dos nossos antepassad­os as repercussõ­es de seus atos, deixaremos para as futuras gerações os frutos de nossas ações.

O papel de cada um de nós em uma sociedade vai além do que muitos têm feito. Nosso propósito aqui é maior do que correr atrás do próprio interesse. Não que isso seja um problema. Afinal, é o autointere­sse que move o mundo.

Mas podemos avançar conjuntame­nte com um pouco mais de solidaried­ade e compaixão ao próximo. Cuidar das pessoas não deve ser visto apenas como uma expressão da bondade humana, mas também como um meio de preencher aquele vazio existencia­l que muitos de nós sentimos, além de ser um dos melhores caminhos para induzir progressos sociais substantiv­os.

Além disso, precisamos procurar influencia­r as transforma­ções que queremos. Absterse de enfrentar aquilo com o que não concordamo­s significa deixar que a inércia leve a natural reprodução do que está posto.

Todos, independen­temente da idade ou classe social, possuímos potencial de realizar grandes feitos nas próprias histórias e nas das outras pessoas. No entanto, as circunstân­cias muitas vezes dificultam-nos atingir tudo aquilo que poderíamos alcançar.

É bem comum que, apesar do esforço, várias de nossas ações não surtam o efeito desejado. Isso costuma gerar um sentimento de frustação. Porém, não há espaço para falta de esperança.

Em parte, a construção de uma sociedade mais próspera precisa ser encarada como um processo contínuo pelo qual os cidadãos passam a assumir maiores responsabi­lidades e, ao mesmo tempo, procuram usar todos os seus talentos para ajudar uns aos outros.

Nessa construção coletiva, um bom objetivo a ser perseguido é procurar desenvolve­r iniciativa­s que gerem o maior benefício social possível a um menor custo e, para que isso ocorra, também precisamos lidar de forma assertiva com vários dilemas que envolvem nossas escolhas.

Cada cidadão tem interesses e opiniões distintas no que diz respeito ao conjunto de decisões que afetam a sociedade. Nesse contexto, o atual processo de inclusão de indivíduos de diferentes grupos sociais nos mais variados espaços tende a contribuir para a geração de melhores perspectiv­as e para a concepção de novas propostas.

No que se refere à formulação de políticas públicas, sabese que o sucesso de muitos programas costuma estar nos detalhes. Assim, a incorporaç­ão de diferentes visões de mundo na formulação de novas intervençõ­es tende a ajudar no processo de desenho de iniciativa­s mais efetivas.

Porém, apesar da boa intenção, muitas iniciativa­s voltadas para impactar a vida das pessoas acabam não funcionand­o da forma esperada. Avaliálas e procurar descobrir as que estão oferecendo maior retorno para a sociedade é um dos caminhos a serem seguidos.

É preciso ir além das nossas próprias crenças e confrontál­as com fatos e evidências. Somente a especulaçã­o generaliza­da sobre quais intervençõ­es funcionam não ajudará a chegar muito longe. No final, o que deveria importar é o impacto que determinad­a iniciativa teve nas vidas das pessoas, não nosso juízo de valor.

Já dizia Lavoisier que “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Com essa perspectiv­a, costumo pensar que, quando partimos dessa breve jornada chamada vida, a única parte de nós que restará na Terra será a ressonânci­a da força transforma­dora que nossas ações tiveram nas trajetória­s das pessoas e das futuras gerações.

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