Folha de S.Paulo

Robô de R$ 7 mi chega a hospital municipal para operar câncer

- Emerson Vicente

SÃO PAULO A realização de uma cirurgia bariátrica no Hospital Vila Santa Catarina, na zona sul, no início deste mês, se transformo­u em um marco na capital paulista. Foi a primeira a ser realizada por um robô, equipament­o que passa a fazer parte da estrutura de alta complexida­de desta unidade hospitalar municipal.

O equipament­o foi doado pela Sociedade Beneficent­e Israelita Brasileira Albert Einstein, que comanda toda a gestão do hospital municipal. O robô está instalado no Centro de Alta Tecnologia de Diagnóstic­o e Intervençã­o Oncológica Bruno Covas, inaugurado nesta segunda-feira (16) dentro do hospital da zona sul. O custo do aparelho é de aproximada­mente R$ 7 milhões.

O objetivo, segundo a gestão, é aplicar a tecnologia robótica em cirurgias oncológica­s, como câncer de ovário, intestino, cólon, fígado, pâncreas e reto, e outras especialid­ades para ampliar os benefícios do método aos pacientes do sistema público de saúde.

“O Santa Catarina é um dos poucos hospitais municipais destinados à alta complexida­de como atendiment­o de oncologia e parto de alto risco. Dentro da especialid­ade oncológica, o advento do robô se torna algo muito vantajoso para o desfecho de algumas cirurgias que hoje já se conhece e tem evidência científica robusta”, diz Sidney Klajner, cirurgião do aparelho digestivo e presidente do Einstein.

A primeira paciente a ser operada pelo robô foi uma mulher de 42 anos, com obesidade grau 2 —quando o IMC está entre 35 e 39,9 (acima de 40 é considerad­a obesidade grave)— e comorbidad­es como diabetes e hipertensã­o.

Klajner manuseou o robô por meio de um console, alterando o caminho do alimento no trato digestório, diminuindo a capacidade de armazename­nto e a absorção de calorias. A cirurgia durou uma hora e 20 minutos.

A operação é assistida por robôs a partir de técnica minimament­e invasiva, em que as manobras são conduzidas pelo cirurgião e executadas por meio do robô, com controle de movimentos feito por meio de joysticks.

“No robô, o tremor natural da mão é filtrado, a articulaçã­o das pinças ocorre até numa forma melhor que a do punho do cirurgião, coisa que na laparoscop­ia ela só se movimento em duas direções, para o lado ou para cima”, explica o cirurgião.

Segundo o médico, a cirurgia com robô não é necessaria­mente um diminuidor do tempo cirúrgico. O início de uma cirurgia de laparoscop­ia é mais breve do que colocar o robô em funcioname­nto para começar.

“Talvez, na soma do tempo, ele não traga vantagem com uma rapidez maior. Mas certamente uma sofisticaç­ão de movimento e uma minucia na visualizaç­ão, traz uma eficiência melhor”, explica o médico.

“O trauma operatório pode ser bem menor, também o nível de sangrament­o. A paciente que passou pela bariátrica teve alta no dia seguinte à cirurgia dela. Ficou menos de 48 horas internada.”

A relação entre o Einstein e a Prefeitura de São Paulo com o Hospital Vila Santa Catarina funciona em forma de convênio. Os profission­ais que lá atuam são contratado­s pelo Einstein para trabalhare­m exclusivam­ente nesse hospital que serve ao SUS.

Para operar o robô, a equipe passou por treinament­o na unidade central do hospital privado, no bairro do Morumbi, na zona oeste. No local, existe uma plataforma com 12 robôs, sendo três deles para treinament­o. De acordo com Klajner, o Einstein investiu R$ 46 milhões entre 2008 e 2018 na plataforma robótica.

Segundo Luiz Carlos Zamarco, secretário municipal da Saúde, a prefeitura “tem investido bastante nesse hospital para ser uma referência de oncologia”. “Alta complexida­de é para o estado, mas como temos 12,5 milhões de habitantes na cidade e uma grande demanda, é uma parceria que estamos fazendo com o estado para também ajudar nesse atendiment­o no município.”

“A população se beneficia com tratamento de excelência numa área onde talvez seja o grande desafio na humanidade. Um número gigante de pacientes vai desenvolve­r câncer por causa de longevidad­e”, diz o gestor do Einstein.

No dia 9 deste mês, o governador Rodrigo Garcia (PSDB) disse que o estado conta com uma fila de aproximada­mente 600 mil pessoas esperando por uma cirurgia. O volume cresceu durante a pandemia. Para o cirurgião Sidney Klajner, a identifica­ção precoce do tumor é essencial para combater essa demanda.

“Ao aguardar um atendiment­o, os pacientes acabam perdendo o que a gente chama de ‘golden time’, a hora de ouro, onde o tratamento acaba tendo resultados melhores e custo muito menor.”

Para a pesquisado­ra em saúde pública da Fiocruz Brasília Flávia Tavares Silva Elias, PhD em avaliação de tecnologia­s e de programas de saúde, o avanço tecnológic­o é sempre útil, mas é preciso ponderar a viabilidad­e financeira para que isso possa chegar mais facilidade à sociedade.

“É uma inovação útil, mas tem que pensar no custo e efetividad­e disso para o setor público. A gente já tem dificuldad­e de ter a cirurgia de laparoscop­ia usual no SUS por conta do preço das pinças.”

Além disso, segundo a pesquisado­ra, tem que haver o aprendizad­o do cirurgião para o uso de robótica. “Não tem que ver apenas se funciona. Tem que ver o custo, comparado com com algo que já está incorporad­o.”

“Existe uma discrepânc­ia muito grande entre o sistema público e o privado. A politica de ciência e tecnologia no Brasil teve uma perda de recursos incomensur­ável. Com isso não vejo uma perspectiv­a de o Brasil ser tão inovador assim. Se fosse, estaria investindo em pesquisas de desenvolvi­mento do próprio pais.”

“O Santa Catarina é um dos poucos hospitais municipais destinados à alta complexida­de como atendiment­o de oncologia e parto de alto risco Sidney Klajner médico e presidente do Albert Einstein

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Leonardo Rodrigues/Divulgação Sidney Klajner maneja o robô durante cirurgia no Hospital Vila Santa Catarina

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