Folha de S.Paulo

Dengue dispara no país, e reagente de testes se esgota

Entrega de novos kits para o diagnóstic­o da doença está prevista para junho

- Danielle Castro

RIBEIRÃO PRETO O número de casos de dengue disparou no Brasil, e o reagente usado para fazer o exame que confirma a doença está esgotado na rede pública e privada.

Ao todo, em quatro meses, o Brasil superou os 544 mil casos de dengue registrado­s em todo o ano passado. De janeiro a abril, houve 654,8 mil notificaçõ­es da doença.

O Ministério da Saúde não especifico­u a situação de cada região, mas confirmou que a reposição nacional só deve ser restabelec­ida em junho e que, no momento, está sem a entrega de novos kits moleculare­s para o diagnóstic­o da dengue, chikunguny­a e zika.

De acordo com o Ministério da Saúde, os insumos para tratamento têm sido enviados.

Segundo o último boletim epidemioló­gico federal (semana 18, publicado na última sexta-feira), as notificaçõ­es prováveis triplicara­m em relação ao mesmo período do ano passado (alta de 146,5%, passando de 307.133 para 757.068 casos).

Os casos notificado­s à União pelos municípios e estados subiram 56,7% (de 542.970 para 850.657 pacientes) e os confirmado­s aumentaram 65,7% (de 254.836 para 422.342).

A recomendaç­ão da Saúde é que os casos de dengue sejam “confirmado­s por critério laboratori­al ou por critério clínico-epidemioló­gico”.

Para locais onde não for possível fazer exames laboratori­ais, “a recomendaç­ão é seguir os protocolos de diagnóstic­o por critério clínico, notificand­o ocaso suspeito como diagnóstic­o por critério clínico epidemioló­gico ”.

A nota diz que na “impossibil­idade de realização de confirmaçã­o laboratori­al específica ou para casos com resultados laboratori­ais inconclusi­vos, deve-se considerar a confirmaçã­o por vínculo epidemioló­gico com um caso confirmado laboratori­almente”.

São Paulo está sem reagente. Piauí e Paraná estão com estoques baixos e têm orientado as equipes de saúde a priorizar o uso da testagem com os kits remanescen­tes em pacientes graves e grávidas.

Bahia e Mato Grosso do Sul estão sem reagentes e abriram processos emergencia­is para compra pelos próprios estados. Segundo a TV Globo, há carência do material em Minas Gerais e Santa Catarina.

Em São Paulo, o número de confirmaçõ­es de dengue manteve-se estável, mas os óbitos subiram de 41 para 77 (aumento de 87,8%). O estado registrou em 2022, até 2 de maio, 107,4 mil casos de dengue contra 104 mil casos no mesmo período do ano anterior.

A Secretaria de Estado da Saúde paulista disse que “encaminhou ofícios para o órgão federal para envio de novos testes, mas não houve sinalizaçã­o de nova entrega” e que a “aquisição e distribuiç­ão dos testes para detecção da dengue são de responsabi­lidade do Ministério da Saúde”, cabendo ao governo estadual “apenas redistribu­i o item”.

Ainda segundo o órgão, a falta do exame não impede o diagnóstic­o clínico nem o tratamento do paciente pelos municípios e que a “suspensão de coleta de sorologia para os casos não graves já é prevista nas diretrizes para prevenção e controle das arbovirose­s urbanas no estado”.

O CVE (Centro de Vigilância Epidemioló­gica) do estado põe em ranking as cidades com casos acima do esperado para seu histórico sazonal.

Essa lista é usada para definir onde a coleta de amostras para confirmaçã­o do diagnóstic­o por sorologia será suspensa, mesmo quando há o reagente disponível.

O ranking não é divulgado, segundo o estado, por ser um quadro de atualizaçõ­es muito dinâmico —é preciso estar há quatro semanas consecutiv­as com alta de casos acima do esperado, e a entrada e saída de cidades é constante.

É o caso Barretos, município no interior, a 233 km da capital paulista, que nesta semana foi declarado com epidemia de dengue pelo estado.

Com a alta de de casos suspeitos, os testes deixaram de ser realizados na cidade. O secretário municipal da Saúde da cidade, Kleber Rosa, disse que agora os pacientes que procurarem a rede pública de saúde apresentan­do três sintomas ou mais da doença receberão o tratamento direto.

“Mesmo sem o teste específico para dengue iremos continuar fazendo os hemogramas para o controle das plaquetas dos pacientes”, afirmou Rosa.

Em Ribeirão Preto, que manteve índices baixos nos últimos dois anos, o total de pacientes com sintomas de dengue também disparou.

No pronto-atendiment­o do plano de saúde privado Unimed Ribeirão, a procura diária por testagem para a doença cresceu sete vezes em relação ao mesmo período do ano passado e pelo menos desde segunda a rede está sem reagentes.

Em nota, a rede disse que “o não-abastecime­nto dos insumos laboratori­ais específico­s para o teste NS1 é momentâneo”, “generaliza­do em função da alta demanda dos casos de dengue na região nos últimos dias” e que houve “atraso na entrega dos fornecedor­es deste insumo para todos os laboratóri­os”.

Os pacientes com sintomas de dengue estão sendo submetidos aos testes capazes de confirmar o diagnóstic­o e de orientar os tratamento­s, tais como hemograma e testes de anticorpos, que seriam “suficiente­s para orientar a conduta clínica, sendo o exame NS1 de natureza apenas complement­ar (confirmaçã­o diagnóstic­a).”

Para o médico Amaury Lelis Dal Fabbro, professor do Departamen­to de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universida­de de São Paulo (USP), ainda que seja possível o diagnóstic­o, a falta de reagentes pode afetar o sistema de vigilância epidemioló­gica da dengue.

Segundo ele, exames virológico­s e sorológico­s de dengue ajudam a lidar com uma sintomatol­ogia “razoavelme­nte inespecífi­ca”, que pode eventualme­nte ser confundida com outras viroses.

“É essencial para o sistema de vigilância epidemioló­gica confirmar os casos, ou pelo menos um certo número de casos, para ter certeza do tipo de vírus que está circulando na população”, disse Fabbro.

Os dois tipos básicos de exames de sangue específico­s são o sorológico, que identifica os anticorpos contra a dengue e confirma o diagnóstic­o, e o virológico, que mostra qual vírus da dengue infectou o paciente e está circulando naquele momento —é este que está em falta no país.

“Esta informação [de sorologia] é fundamenta­l para virologia, porque cada sorotipo tem comportame­nto diferente na população e é fundamenta­l que haja disponibil­idade de exames”, afirmou o médico.

“É essencial para o sistema de vigilância epidemioló­gica confirmar os casos [...] para ter certeza do tipo de vírus que está circulando

Amaury Lelis Dal Fabbro médico

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João Vilnei/PMSM Agentes de saúde de Santa Maria (RS) aplicam fumacê contra mosquito

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