Folha de S.Paulo

Ver para ser

Com referência­s femininas na TV, meninas agora sonham com protagonis­mo

- Renata Mendonça Jornalista, comenta na Globo e é cofundador­a do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte

O que você quer ser quando crescer? Com certeza, você, leitor ou leitora, ouviu essa pergunta dezenas de vezes durante a infância. Aos sete, oito ou dez anos de idade, esse questionam­ento soa quase como um convite para sonhar. Não precisa ser razoável, muito menos “realizável”, mas a resposta ali representa o desejo mais genuíno de uma criança.

Eu arriscaria dizer que os homens que estão lendo esse texto, em sua maioria, tenham, em algum momento, respondido: “jogador de futebol”. E, da mesma forma, apostaria que as mulheres leitoras desta coluna, em grande maioria (senão 100%), nunca tenham respondido da mesma forma. No meu caso, ainda que sempre tenha sido apaixonada por futebol, que tenha jogado muito futsal na escola, jamais me passou pela cabeça algo do tipo. “O que você quer ser quando crescer?”. “Jogadora de futebol”. Era algo impensável.

Uma frase dita pela lendária tenista americana Billie Jean King pode explicar essa lógica. “Você precisa ver para querer ser”. É inevitável e inconscien­te. Quando você não vê pessoas iguais a você ocupando determinad­os espaços, exercendo determinad­as profissões, o recado automático para o seu cérebro é: esse lugar não é para você. É como se até mesmo sonhar fosse impossível.

Ainda na brincadeir­a de fazer apostas, eu diria que boa parte de vocês, leitores, já têm uma filha, uma neta, uma sobrinha que joga futebol. Ou uma filha/neta/sobrinha de um conhecido que pediu aos pais para começar na escolinha, ou que quis uma bola ou uma chuteira de presente.

Não é por acaso que o cenário está mudando. Quem ligou a TV no sábado (14), viu Cristiane, a icônica jogadora da seleção brasileira, fazer mais um gol pelo Santos e se firmar na artilharia do Campeonato Brasileiro feminino. Quem ligou no domingo (15), viu Tamires, jogadora do Corinthian­s, completar 100 jogos com a camisa alvinegra. Na segunda-feira, também tem futebol feminino na TV. E tá tendo toda semana.

É essa visibilida­de que faz com que as meninas possam sonhar com isso no futuro. Hoje, muitas delas já respondem que querem ser “jogadoras de futebol” quando crescerem. Ou então skatistas, como a Fadinha, Rayssa Leal, medalhista de prata nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Ou ginastas, campeãs olímpicas, como Rebeca Andrade, que conquistou o primeiro ouro olímpico da ginástica artística feminina para o Brasil. O futuro no esporte virou um sonho possível para elas.

Os números não mentem. Desde que o Brasil parou para aplaudir fenômenos do esporte como a Fadinha e a Rebeca, a procura por essas modalidade­s entre as crianças disparou. Inclusive entre as meninas. O Brasil Skate Camp, em São Paulo, teve um aumento de 50% na busca por aulas após a conquista de Rayssa Leal. E as novas vagas foram preenchida­s principalm­ente por meninas (que representa­ram 90% dos novos alunos).

Se antes elas ouviam que “andar de skate era perigoso”, hoje estão por aí dropando e aprendendo manobras.

O mesmo cenário se repetiu em outras capitais com a ginástica. Em Belo Horizonte, a escola CT Amigos do Esporte teve um número de matrículas entre julho e setembro de 2021 (período dos Jogos Olímpicos) três vezes maior do que o que costumava ser registrado no período —98% dos novos alunos eram meninas, muito inspiradas pelo sucesso de Rebeca Andrade.

Você tem que ver para querer ser. As meninas agora têm a oportunida­de de ver mulheres jogando futebol, fazendo manobras de skate, dando piruetas na ginástica, conquistan­do troféus, medalhas, ocupando um lugar de protagonis­mo no esporte que antes lhes era negado. O que elas querem quando crescerem? Viver num mundo em que o gênero não imponha limites aos sonhos.

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