Folha de S.Paulo

1.880 caracteres

- Becky Korich

São 1.880 caracteres (dos quais já gastei 20) para aqui discorrer sobre alguma ideia. Não sou prolixa, sou até econômica nas palavras, mas parece um espaço exíguo para expor um tópico com forma e conteúdo. Só fazendo uma dieta para eliminar a gordura das palavras e fazê-las caber neste quadrado. Como nunca me dou bem com dietas, prefiro o exercício de tentar entender a arte da escrita.

Não por coincidênc­ia, me inspiro no dono deste espaço, Ruy Castro, que faz caber, sem aperto e com elegância, uma infinidade de caracteres dentro dos 1.880.

O mestre ensina que escrever bem é tirar o sumo das ideias sem deixar um gosto concentrad­o. É não precisar de palavras difíceis para “enriquecer” o texto. É não ter a pretensão de ser inteligent­e nem engraçado —nada menos engraçado do que alguém que tenta ser engraçado. O sabor da boa escrita está justamente no improvável, na não intenção, no absurdo.

Ele ensina que o bom escritor tem que ser generoso. Saber entregar e sair de cena: para que o leitor e o texto se relacionem, independen­te dele.

E me prova que a boa escrita funciona, sim, com delimitaçõ­es de tempo e espaço. Pois o que se apresenta como uma limitação é o que mais liberta, assim como é libertador­a a finitude da vida. O prazo de validade e o espaço limitado despertam uma urgência, fazem a pessoa entregar o seu melhor. Os limites obrigam escolhas e renúncias; impedem o autor de dizer tudo. E são justamente as palavras não ditas que se conectam com o infinito, porque ultrapassa­m as fronteiras do entendimen­to.

E a nós, que somos protagonis­tas da nossa história, cabe o exercício de viver a urgência sem afobação, surpreende­r a vida com novas histórias, não ter que preencher todos os vazios, buscar, enfim, a infinitude dentro do nosso espaço limitado. Porque na nossa matemática imperfeita, não sabemos quantos caracteres ainda nos restam.

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