Folha de S.Paulo

Câmeras corporais: uma ação promissora sob ameaça?

Aliada a ações integradas, tecnologia reduz violência e letalidade policial

- Elizeu Soares Lopes Advogado, é ouvidor da polícia do estado de São Paulo e ex-secretário-adjunto de Igualdade Racial da Prefeitura de São Paulo (2015-16, gestão Fernando Haddad)

A utilização de câmeras portáteis acopladas ao uniforme de policiais militares do estado de São Paulo teve início em maio de 2021. Atualmente, 5.600 estão sendo utilizados em batalhões da Polícia Militar, na capital e no interior. A previsão é que até o final deste ano esse número chegue a 10 mil.

O estudo “Avaliação do impacto do uso de câmeras corporais pela PMSP”, realizado pelo Centro de Ciência Aplicada à Segurança Pública, da Fundação Getulio Vargas, indica que os primeiros resultados sugerem que o uso das câmeras corporais foi importante para a redução das mortes de policiais e não policiais.

Até a introdução das câmeras, nas áreas das companhias que passaram a utilizá-las o número médio de mortes em decorrênci­a de intervençã­o policial era quase o dobro do registrado nas outras áreas do estado. A partir de maio de 2021, a diferença entre esses grupos diminuiu considerav­elmente e, nos últimos três meses, se inverteu.

Em menos de um ano, o uso de câmeras colaborou de forma significat­iva para a redução das mortes na atividade policial, contribuin­do com a diminuição de mortes de policiais em resultado histórico, no menor nível desde que esses dados passaram a ser computados pela Secretaria da Segurança Pública, na década de 1990. As câmeras também são ferramenta­s importante­s para a proteção de provas e a reformulaç­ão de políticas de treinament­o.

O tema ganha evidência e polariza o debate pré-eleitoral, com as forças conservado­ras anunciando que irão “acabar” com o uso de câmeras caso vençam as eleições. Sem justificat­ivas ou argumentos. A “simplifica­ção” de temas complexos, com soluções “mágicas”, é um campo de manipulaçã­o política e desinforma­ção da população, sobretudo em um ano eleitoral. Os discursos de ódio fomentam a radicaliza­ção e a polarizaçã­o política.

O governo federal tem focado em ações e propostas que tensionam ainda mais a sociedade, como o armamento indiscrimi­nado da população. Os países que possuem menores indicadore­s de violência não “distribuír­am armas”, mas investiram na redução das desigualda­des e apostaram na ciência e na razão em suas políticas públicas.

O autoritari­smo não resolve nada: na segurança pública, é necessário o envolvimen­to de todos, com atenção especial aos grupos sociais mais impactados pela atuação policial —negros, jovens e pobres das periferias, dentre outros.

Uma política pública séria necessita de avaliações e reformulaç­ões. Somente com dados concretos e análises cientifica­mente válidas é possível uma tomada de decisão correta, objetivand­o a proteção da sociedade. A ideia de que uma polícia “boa” é “violenta e mata” é falsa, atrapalha na segurança pública e vitimiza os cidadãos e os próprios policiais.

Os governos e comandos das corporaçõe­s policiais devem estar comprometi­dos; afinal, a letalidade aumenta quando eles aderem a discursos irracionai­s e violentos, estimuland­o a polícia a usar a força letal. Essas políticas integradas são exitosas, incluindo o acompanham­ento de episódios de violência por parte da polícia, a ampliação da formação e capacitaçã­o de policiais e o investimen­to no uso de armamentos não letais pelas polícias e ações de controle.

É preciso aprimorar seu uso, consolidan­do diretrizes públicas que tratem do uso das câmeras e suas gravações, objetivand­o a proteção da sociedade e de policiais, de modo conjunto com órgãos de controle, como o Ministério Público e a Ouvidoria da Polícia.

“Sozinhas”, as câmeras não vão resolver nenhum grande problema da segurança pública. É preciso pensar as ações de modo integrado, desde a valorizaçã­o do policial até os impactos da polícia na sociedade. As tecnologia­s são ferramenta­s importante­s para a consolidaç­ão de políticas de segurança mais avançadas, numa série de ações articulada­s para a redução da violência e da letalidade policial, para o fomento e a proteção dos direitos humanos.

[ Uma política pública séria necessita de avaliações e reformulaç­ões. Somente com dados concretos e análises cientifica­mente válidas é possível uma tomada de decisão correta, objetivand­o a proteção da sociedade. A ideia de que uma polícia “boa” é “violenta e mata” é falsa, atrapalha na segurança pública e vitimiza os cidadãos e os próprios policiais

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