Em Buffalo, o lobo não era solitário
Tucker Carlson, da Fox News, propaga teoria racista da ‘grande substituição’
O massacre no supermercado de Buffalo, no sábado (14), foi cometido em nome de uma teoria conspiratória racial que eu ajudo a propagar diariamente. Eu e as 76 milhões de pessoas que pagamos pelo pacote básico de cabo somos uma importante fonte de renda da Fox News, canal líder de audiência.
Tucker Carlson, o principal propagandista da “grande substituição”, é também o âncora mais visto da Fox. Ele é o maior responsável por tirar das franjas da sociedade a odiosa ideia de que há um plano de importar imigrantes em massa para colocar os americanos brancos em minoria eleitoral permanente.
O New York Times publicou uma série de reportagens investigativas sobre Carlson, cujo poder hoje sobre o Partido Republicano rivaliza com o de Donald Trump. Ele é até apontado como um eventual candidato a presidente. A inexistente grande substituição foi coberta como fato por Carlson
com frequência alarmante ao longo de 1.100 episódios analisados pelo jornal americano.
O site neonazista The Daily Stormer chamou Carlson, já em 2017, de “literalmente nosso maior aliado.” Logo após o massacre que deixou dez negros mortos, ele demonstrou no ar, para surpresa de ninguém, a intenção de dobrar a aposta que tem lhe rendido o salário anual estimado, por baixo, em US$ 6 milhões.
A lucrativa depravação de Rupert Murdoch, 91, e seu filho
Lachlan —que defende a ultradireita radical mais do que o pai— não foi, ao contrário de outros fenômenos de mídia, a descoberta de um mercado de audiência inexplorado. A Fox News e Tucker Carlson usaram o conteúdo violento dos cantos escuros da internet e banharam a conspiração racial com as luzes do estúdio e uma vaga diária no horário nobre acompanhado por uma média de 2,2 milhões de americanos.
É importante notar que jovens, como o assassino de 18 anos que planejou cuidadosamente o ataque em Buffalo, não precisam da Fox News para sair matando. É grande a probabilidade de o atirador não ser espectador do canal. A maior parte do público da TV a cabo nos EUA tem mais de 55 anos. Ao mesmo tempo, não se pode separar a crescente radicalização do Partido Republicano e de seus facilitadores da mídia do clima de violência política e racial que teve em Trump o mais potente símbolo na Presidência.
É comum atos de terrorismo doméstico nos EUA serem analisados sob a teoria do “lobo solitário”, o extremista que age por conta própria. O assassino de Buffalo era o único atirando, mas não é um lobo solitário. Ele mora num país em que a população consome uma dieta regular de delírios conspiratórios, como o cada vez mais presente QAnon. E está longe de sofrer de solidão — sua matilha é numerosa e vaga pelo mundo digital. Os planos do ataque foram compartilhados num aplicativo de batepapo ao longo de cinco meses. São detalhes de performance de dar inveja ao Estado Islâmico.
Acima de tudo, o atirador defende ideias expressas por senadores e deputados republicanos. Não há número de vítimas capaz de desviar o Partido Republicano desta rota de extremismo. A número 3 da liderança republicana na Câmara, Elise Stefanik, foi ao Twitter, na segunda (16), escrever: “Democratas estão desesperados para abrir as fronteiras e dar anistia em massa a ilegais, permitindo que eles possam votar”. Stefanik nasceu e fez carreira política no mesmo estado de Nova York onde ocorreu o massacre.