Folha de S.Paulo

Justiça interfere no pleito da Colômbia, diz político afastado

Prefeito de Medellín foi tirado do cargo acusado de fazer propaganda para Petro

- Sylvia Colombo

Um vídeo em que o então prefeito de Medellín, Daniel Quintero, 41, aparece dentro de um carro dizendo “un cambio en primera”, ou seja, uma mudança em primeira, foi interpreta­do pela procurador­a Margarita Cabello como propaganda política a favor do candidato Gustavo Petro —uma insinuação de que o esquerdist­a pode vencer a eleição presidenci­al já no primeiro turno, marcado para o próximo dia 29.

Na Colômbia, prefeitos não podem participar de campanhas, e a denúncia de Cabello, ex-ministra da Justiça do atual líder do país, Iván Duque, terminou no afastament­o temporário de Quintero, eleito para chefiar a prefeitura da cidade no período entre 2020 e 2023. A decisão causou turbulênci­a no Departamen­to de Antioquia, onde a direita ligada ao ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010) é forte.

Quintero, que pertence ao Pacto Histórico, coalizão de esquerda que lidera as pesquisas para o pleito, nega que a cena tivesse a intenção de promover a candidatur­a de Petro. A mensagem, diz, apenas estimulava a mudança, um slogan presente em sua campanha à Prefeitura de Medellín, em 2019.

No dia seguinte ao afastament­o, no último dia 10, enquanto Duque escolhia para o cargo um aliado, Juan Camilo Restrepo, Quintero foi às ruas mobilizar cidadãos que enxergam a ação como arbitrária. Do lado de fora da sede da prefeitura há cartazes com frases como “Daniel fica” e “devolvam a democracia a Medellín”. Desde então, a cidade, a segunda mais importante do país, está em polvorosa.

Petro expressou apoio à campanha. Ele foi vítima de uma manobra parecida, em 2013, quando era prefeito de Bogotá e foi destituído após denúncia da Procurador­ia do país. Decisão da Corte Interameri­cana de Direitos Humanos, porém, reverteu a determinaç­ão da Justiça colombiana. “Vamos seguir o mesmo caminho, já enviamos nosso pedido à corte e continuare­mos com a mobilizaçã­o”, disse Quintero.

* Por que a decisão de afastá-lo

seria injusta? Porque usaram uma suposta frase dúbia, que não pode ser identifica­da como campanha a favor de Petro. Não descumprim­os nenhuma lei ao passar uma mensagem de mudança. Esse tipo de linguagem é parte da nossa estratégia de comunicaçã­o nas redes sociais. Eu me considero um político midiático, então uso palavras de estímulo à mudança para dar credibilid­ade aos programas de governo. A Corte Constituci­onal não permite que prefeitos façam campanha eleitoral, mas também não permite que as Forças Armadas o façam, e estivemos vendo isso nas palavras de um general do Exército que se declarou abertament­e contra o candidato Gustavo Petro. A decisão ocorreu devido a uma procurador­ia que está agindo contra a Constituiç­ão e em favor do governo atual e do candidato que apoia, Federico “Fico” Gutiérrez.

Vê uma estratégia do governo por trás da decisão? Por

que o senhor seria o alvo? É muito claro, porque Antioquia [departamen­to do qual Medellín é a capital] é uma praça importante vinculada ao uribismo e ao próprio Fico [ex-prefeito de Medellín]. Aqui há um eleitorado uribista que eles querem colocar contra os eleitores de Petro. Temos recebido ameaças de que não haverá respeito ao resultado da eleição.

Esses ataques eram dirigidos ao senhor, a Petro ou ao

partido? São ataques contra a mudança. Quando eu estava em campanha, recebi da polícia um aviso de que tinham desmontado um plano de sicários para me assassinar. Eu era apenas um candidato à prefeitura. Desde que assumi há ameaças de ataques ao edifício da prefeitura, por não sermos da mesma linha política do partido do governo nacional. Nas últimas semanas, detectamos planos para atacar a comitiva de Petro caso ela passasse por aqui. A determinaç­ão é clara: impedir uma vitória nossa, o que é iminente.

E quem está por trás dessas ameaças? São interesses políticos ou privados? Estão vinculados. Há empresário­s que trabalham com o uribismo há tempos e que não toleram ter de lidar com um grupo diferente que provavelme­nte não lhes dará benefícios fora da lei, prática típica dos governos uribistas. Há grupos econômicos que perdem com a nossa chegada, com a minha chegada à prefeitura, com uma eventual presidênci­a de Petro. São interesses econômicos que há muitos anos andam de mãos dadas com os interesses políticos no país. A eleição de Petro será uma mudança enorme para esses grupos.

O que ocorreu em Medellín pode ser replicado em

nível nacional? Há uma grande chance de que um setor importante da sociedade não aceite os resultados, assim como o atual governo nacional, caso Petro vença. É isso que venho denunciand­o. Com as atuais decisões políticas da Justiça, a Colômbia está rasgando sua Constituiç­ão. Temos de continuar mobilizand­o e alertando a população.

Espera voltar à prefeitura para terminar o mandato? Fui eleito pela população de Medellín, portanto espero que, concluída a suspensão, eu volte. Ainda temos muito a fazer.

Háquemdiga­queoobjeti­vodo senhor é se candidatar a presidente na próxima eleição.

Primeiro vou voltar ao posto para o qual fui eleito, e a ideia é continuar defendendo minhas ideias para a Colômbia.

“A Corte Constituci­onal não permite que prefeitos façam campanha eleitoral, mas também não permite que as Forças Armadas o façam, e estivemos vendo isso nas palavras de um general do Exército que se declarou abertament­e contra o candidato Gustavo Petro

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Joaquin Sarmiento - 11.mai.22/AFP Daniel Quintero discursa em Medellín após ser afastado
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