Folha de S.Paulo

Cristófaro é investigad­o por outro ato de injúria racial

Parlamenta­r teria xingado mulher em 2020; polícia concluiu inquérito neste mês

- Carlos Petrocilo

SÃO PAULO Assim que soube pelo noticiário que Camilo Cristófaro (Avante) pronunciou uma frase de cunho racista em sessão na Câmara Municipal de São Paulo, a auxiliar de enfermagem Dilza Maria Pereira, 59, dirigiu-se para o 2º DP, do Bom Retiro, no centro da capital.

Ela quis saber a situação do inquérito instaurado para apurar eventual crime de injúria racial, após ter registrado em maio de 2020 um boletim de ocorrência contra o vereador e uma líder comunitári­a.

O delegado Paulo César da Costa concluiu o relatório final da investigaç­ão no mesmo dia em que o Cristófaro disse “é coisa de preto” na sessão.

“O vereador, Camilo Cristófaro Martins Junior, aos berros, disse: ‘Negra safada e além de negra safada era uma negra ladra sem poder nenhum de voz’ (sic). Fato presenciad­o por inúmeras pessoas”, escreveu o delegado no relatório.

Ao longo da investigaç­ão, oito testemunha­s prestaram depoimento. Cristófaro ignorou todas as intimações.

Procurado pela Folha ,overeador escreveu pelo WhatsApp que não conhece Dilza e que, na única vez em que esteve na delegacia, o escrivão não pôde atendê-lo e ficou de marcar uma nova data para o depoimento.

“Em suma, todos os depoimento­s corroboram para a ocorrência de crime de Injúria Racial”, concluiu o delegado.

De acordo com o artigo 20 da lei 7.716, de 1989, é crime “praticar, induzir ou incitar a discrimina­ção ou preconceit­o de raça, cor, etnia, religião ou procedênci­a nacional”. A pena é de reclusão de 1 a 3 anos e multa.

O relatório foi entregue no último dia 10 ao Tribunal de Justiça de São Paulo. A corte o encaminhou ao Ministério Público, que, por meio do grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerânc­ia (Gecradi), tem o prazo de 90 dias para concluir as investigaç­ões e decidir se oferece denúncia ou, então, pede o arquivamen­to do caso.

Aos policiais, Dilza narrou que durante o seu trabalho na Associação dos Reciclador­es do Parque do Gato, na região do Bom Retiro, foi abordada pelo vereador que passou a xingá-la: “A senhora é uma nega safada, que está roubando a comunidade no valor de 4 mil reais por mês por pessoa” [sic] e “negra traficante safada bandida” e “negra golpista e oportunist­a”, conforme trechos do boletim de ocorrência eletrônico.

Segundo ela, Cristófaro foi até o terreno que abriga a associação, na avenida Presidente Castelo Branco, altura do número 5.200, para dizer que o local deveria ser desocupado.

A associação já havia recebido um auto de intimação, elaborado pela Prefeitura de São Paulo, para desocupar a área ou apresentar uma defesa no prazo de 15 dias.

“O interesse do Camilo era o de ceder o terreno à escola de samba Vai-Vai”, afirma Dilza à Folha.

“O Camilo já chegou colocando o dedo na minha cara e me xingando de todos esses nomes, negra bandida, golpista, traficante e oportunist­a”, afirma a mulher.

A Folha perguntou à SSP (Secretaria de Segurança Pública) quais os motivos para que o inquérito demorasse dois anos até a sua conclusão pela Polícia Civil, mas não recebeu a resposta a esta pergunta. Um funcionári­o da pasta disse, por telefone, que se trata de uma coincidênc­ia.

Em nota, a secretaria disse que foram realizadas diligência­s e testemunha­s, ouvidas. “O trabalho policial foi concluído e relatado para análise do Poder Judiciário”, afirmou.

Jorge Ferreira, advogado de

Dilza, reclama de uma suposta má vontade do vereador e da líder comunitári­a durante as investigaç­ões.

“O problema é que, após abertura do inquérito, os investigad­os nunca comparecer­am à delegacia, dificultan­do o andamento”, afirma Ferreira, membro do núcleo antidiscri­minatório da comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

“Somente agora com a repercussã­o, decidiram concluir o inquérito mesmo sem ouvir o vereador e a sua assessora, já que eles não comparecer­am por vontade própria”, completa o advogado.

Em seu segundo mandato, Cristófaro é alvo de pelo menos três denúncias de injúria racial na Corregedor­ia da Câmara Municipal.

Na primeira, em 2018, ele foi flagrado em um vídeo puxando os olhos com as mãos e se referindo ao vereador George Hato (MDB), de ascendênci­a japonesa, em 2018. Em 2019, Cristófaro chamou o vereador Fernando Holiday (Novo) de macaco de auditório no Plenário.

Por último, neste mês, a Corregedor­ia recebeu quatro denúncias —feitas por membros do PSOL e União Brasil e por munícipes— contra Cristófaro em razão da expressão “coisa de preto”.

Nesse processo, o corregedor, vereador Gilberto Nascimento (PSC), nomeou nesta terça (17) Elaine Mineiro (PSOL), da bancada coletiva Quilombo Periférico, para relatar o caso.

Nascimento atendeu a um pedido de Milton Leite (União Brasil), presidente da Casa e que atua para que o vereador seja cassado.

Também há um inquérito em andamento na Polícia Civil após a bancada do PSOL ter registrado boletim de ocorrência na Decradi, a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerânc­ia, em São Paulo.

O caso de Dilza não foi registrado na Corregedor­ia. “A Presidênci­a da Câmara não tinha nenhum conhecimen­to sobre este caso. A cidadã ofendida pode e deve procurar a Corregedor­ia da Câmara para denunciar”, afirma a assessoria da casa.

“O Camilo já chegou colocando o dedo na minha cara e me xingando de todos esses nomes, negra bandida, golpista, traficante e oportunist­a Dilza Maria Pereira auxiliar de enfermagem

 ?? Rubens Cavallari/Folhapress ?? A auxiliar de enfermagem Dilza Maria Pereira, que registrou ocorrência contra o vereador por injúria racial
Rubens Cavallari/Folhapress A auxiliar de enfermagem Dilza Maria Pereira, que registrou ocorrência contra o vereador por injúria racial

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