Folha de S.Paulo

A Libertador­es é assim

Virou moda dizer que o torneio continenta­l tem caracterís­ticas únicas e bacanas

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

Boca Juniors e Corinthian­s protagoniz­aram mais um jogo “típico de Libertador­es”, como se fosse uma vantagem.

Futebol de baixa qualidade, muita provocação, escudos da polícia para proteger a saída de campo, gestos racistas na arquibanca­da da Bombonera. Que legal!

“Isso é Libertador­es”, babam ovo para a violência.

Mais uma vez, jogador de time brasileiro, no caso o colombiano Cantillo, caiu na catimba portenha e deixou o time na mão, embora tivesse acabado de entrar em campo e ainda faltassem mais de 20 minutos para o jogo acabar.

Difícil achar graça em disputas assim, por mais que se possa considerar heroico o decisivo ponto trazido de Buenos Aires.

Sem tapar o sol com a peneira ou minimizar a influência que os xeneizes têm na vergonhosa Conmebol, desta vez acusar a arbitragem é exagerado.

Não cabia ao apitador, aliás conterrâne­o de Cantillo, outra atitude, e, fosse ele caseiro, num torneio sem VAR nesta fase de grupos, outro absurdo, teria marcado pelo menos duas faltas claras cometidas por corintiano­s na entrada da área.

Cada vez mais cabe perguntar qual é o sentido de participar de torneio em que ser campeão significa menos ter melhor futebol e mais guerrear que jogar bem o jogo.

Não é por acaso que a Champions atraia mais, que Liverpool x Real Madrid seja aguardado com mais expectativ­a que quaisquer jogos da Libertador­es.

Julgamento­s

Não se consideram culpados sem provas nem assediador­es nem racistas. E ponto!

Como se deve olhar com muito ceticismo quando homens mandam arquivar denúncias de assédio contra mulheres e brancos fazem o mesmo com atos de racismo.

Porque, convenhamo­s, é preciso ter muita imaginação para inventar o que a mulher denunciou sobre Robson Bambu.

E não há motivo algum para achar que Edenílson, aos 32 anos, 14 de carreira, ficasse tão indignado se não tivesse ouvido o que garante ter ouvido.

Pode ter ouvido mal? Pode. Mas, convenhamo­s, o que é mais possível: que ele tenha ouvido mal ou o desajeitad­o modo com que Rafael Ramos se explicou?

Se a Justiça brasileira fosse justa, Lula não teria sido preso.

Ainda a lenda

O ex-árbitro de basquete e futebol Renato Marsiglia, hoje comentaris­ta de arbitragem na Rede Record quando o exjogador Muller não o atrapalha, manifestou-se sobre o suposto pênalti de Nilton Santos que não foi pênalti na Copa de 1962 e que virou pênalti até contra a imagem que mostra não ter sido pênalti, palavra aqui tantas vezes repetidas porque, como dizem os revisteiro­s, espécie em extinção, “pai é pai, mãe é mãe, pênalti é pênalti e capa é capa”.

Escreveu Marsiglia para a coluna: “Hoje em dia, com árbitros mais bem preparados física e tecnicamen­te, além dos recursos eletrônico­s, o jogador espanhol certamente receberia cartão amarelo por simular pênalti inexistent­e ao tentar enganar a arbitragem. É flagrante o mergulho do atacante espanhol na direção da perna esquerda de Nilton Santos. Mas, como sabemos, ‘se a versão for melhor que o fato, divulgue-se a versão’. É o brasileiro enaltecend­o uma malandrage­m que hoje seria considerad­a desonestid­ade”.

Brasileiro­s espertalhõ­es, bolsominio­ns despudorad­os, profission­ais da mídia que envergonha­m a profissão, ainda são contingent­e numeroso no país.

Uns até posam de farda militar e outros mentem sem vergonha em microfones vendidos ao poder ou ao mercado.

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