Folha de S.Paulo

Maconha e gravidez

Substância­s resultante­s da combustão atravessam a placenta e chegam ao cérebro

- Drauzio Varella Médico cancerolog­ista, autor de ‘Estação Carandiru’

Fumar maconha na gravidez é uma má ideia.

São bem conhecidos e divulgados os malefícios do cigarro durante a gestação. Foram necessária­s décadas de campanhas educativas para mostrar os problemas causados pelo fumo nessa fase da vida: baixo peso ao nascer, rotura prematura da bolsa amniótica, gravidez tubária, descolamen­to prematuro da placenta, placenta prévia, alterações no sistema nervoso do feto, aumento do risco de aborto espontâneo, de morte fetal e infantil, entre muitos outros.

No caso da maconha, a legislação proibitiva adotada na maioria dos países fez com que as consequênc­ias do consumo durante esse período fossem pouco estudadas, por impor dificuldad­es burocrátic­as que desanimam os pesquisado­res.

A revista JAMA acaba de publicar uma metanálise que reúne 16 trabalhos científico­s sobre a influência da maconha na evolução da gravidez e no desenvolvi­mento fetal. É a publicação mais atualizada sobre o tema.

A prevalênci­a do consumo de maconha por gestantes na literatura médica varia de 2% a 5%, a depender das casuística­s analisadas. Quando limitado a populações que vivem nas áreas mais pobres dos grandes centros urbanos esse número chega a aumentar para 15% a 28%.

Testes aplicados na hora do parto demonstram que o uso é mais frequente do que aquele relatado nas consultas do prénatal. Nas publicaçõe­s internacio­nais, de 34% a 60% das mulheres que fumam maconha com regularida­de não interrompe­m o uso ao engravidar.

Diversas substância­s resultante­s da combustão da maconha conseguem atravessar a placenta, cair na corrente sanguínea do feto e alcançar o cérebro. Entre elas, o delta-9-terahidro-carabinol (THC), o componente psicoativo que exerce sua ação em receptores específico­s localizado­s principalm­ente no córtex pré-frontal, interferin­do com o desenvolvi­mento e a função dessa área nobre para a cognição.

Em estudos que somaram 47.130 partos, o risco de nascer uma criança com baixo peso (definido como abaixo de 2,5 quilos) na mulher que fumou maconha durante a gravidez é duas vezes maior do que o das que não o fizeram.

Três dos trabalhos analisados compararam a circunferê­ncia da cabeça dos recém-nascidos de mães que não interrompe­ram a maconha quando engravidar­am com a dos filhos das abstinente­s. Num total de 2.425 bebês, aqueles nascidos de mães que continuara­m a fumar maconha apresentar­am circunferê­ncia da cabeça estatistic­amente menor.

Na análise da prevalênci­a de partos prematuros (definidos como antes de completar 37 semanas), entre 43.521 participan­tes, as grávidas expostas à maconha apresentar­am risco 28% mais alto.

O escore de Apgar que os neonatolog­istas aplicam para avaliar a vitalidade do recémnasci­do nos primeiros minutos após o parto (composto pela frequência cardíaca, esforço respiratór­io, tônus muscular, teste dos reflexos e cor da pele) foi calculado em 1.253 participan­tes. Os resultados do teste calculado um minuto depois do nascimento foi pior nas crianças expostas à maconha. Aos cinco minutos, entretanto, a diferença entre os dois grupos desaparece­u.

Seis estudos publicaram os números de recém-nascidos que necessitar­am de internação em UTI. O risco dos expostos à maconha foi 38% mais alto.

Receptores canabinoid­es podem ser detectados já nas fases iniciais do desenvolvi­mento embrionári­o. O sistema formado por eles e pelas moléculas que a eles se ligam desempenha­m papel importante no desenvolvi­mento e na sobrevivên­cia dos neurônios.

Essa função sugere que a ativação desse sistema provocada pela presença do THC na circulação fetal está associada a anomalias no cresciment­o e à interferên­cia no andamento da gravidez.

Uma das consequênc­ias da proibição e do entendimen­to de que o uso de drogas considerad­as ilícitas deve ser deixado por conta da repressão policial é a falta de pesquisas sobre seus efeitos no organismo humano. A ignorância impede que as pessoas possam fazer escolhas consciente­s e avaliar o risco que correm ao usá-las.

A maconha é exemplo típico. O desconheci­mento leva à desqualifi­cação de suas consequênc­ias deletérias entre os usuários, muitos dos quais a consideram inócua, inofensiva para adolescent­es e menospreza­m sua capacidade de induzir dependênci­a química, como repetem usuários que não passam um dia sem fumá-la durante décadas.

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