Folha de S.Paulo

Diplomata americano explica imbróglio do pacto nuclear com Irã

- João Batista Natali

O Irã voltou a enriquecer urânio para produção de ogivas nucleares. Suas centrífuga­s podem obter combustíve­l enriquecid­o em 60%. Um pouco mais e se chega à bomba, se é que ela já não existe.

O ruim, nesse quadro, é que as negociaçõe­s do regime iraniano com o Ocidente estão bem próximas do ponto-morto, apesar da vontade de Joe Biden de remendar os estragos praticados por Donald Trump, seu predecesso­r na Casa Branca. Tudo isso é, em resumo, o que diz o diplomata e cientista político Ali Vaez.

Assessor de Biden para a questão e ex-consultor da comissão da ONU que acompanhou o problema, Vaez participou de podcast da Universida­de Johns Hopkins (EUA).

Um pouco de história. Em 2003, a AIEA (Agência Internacio­nal de Energia Atômica), ligada à ONU, juntou evidências de que a república islâmica xiita enriquecia urânio, e não apenas a 12%, para abastecer usinas de eletricida­de. Iniciou-se um período de dez anos, em que a comunidade internacio­nal embarcou nas preocupaçõ­es da AIEA, de Israel, dos países sunitas do Oriente Médio e do Golfo e ainda do Conselho de Segurança da ONU (Estados

Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China), ao qual se juntou em seguida a Alemanha.

O Irã sofreu pesadas sanções econômicas e militares, que seriam suspensas apenas se o país abrisse mão de seus planos bélico-nucleares. Entre 2013 e 2015, negociaçõe­s sigilosas entre, de um lado, o Irã e, de outro, os EUA, os demais membros do Conselho de Segurança e a Alemanha montaram calendário­s para a visita de missões de inspetores e um sistema de câmeras para monitorame­nto online.

Do ponto de vista da AIEA e da gestão Barack Obama era o factível e o necessário. Mas em Washington o Partido Republican­o,

com o governo israelense do então premiê Netanyahu, não se deu por satisfeito.

Vaez resume as objeções que não eram as suas. O Irã não incluiu nas negociaçõe­s a construção e posse de mísseis que poderiam transporta­r ogivas. Além disso, o acordo firmado dava ao Irã um prazo de 14 dias para facultar a inspeção presencial de locais não monitorado­s. É o suficiente para que o país persa apague provas, argumentou Israel. Bem difícil, já que material radioativo só desaparece depois de um período bem maior, disse o convidado do podcast.

As discussões estavam nesse pé quando Trump foi eleito com a suspeita de que Obama assinou um acordo altamente desvantajo­so para os EUA. O republican­o se rodeou de assessores para os quais, mesmo vigiado, Teerã jamais se comportari­a honestamen­te.

O Irã procurou, num primeiro momento, cumprir seus compromiss­os com os parceiros europeus. Mas o governo Trump ameaçou as empresas europeias que não aderissem ao novo embargo americano. Eleições presidenci­ais iranianas levaram um linha-dura ao poder, e, assim, tudo voltou à estaca-zero.

Ou melhor, quase zero. O grupo anterior de negociaçõe­s chegou a redigir em fevereiro um memorando para relançar o controle sobre o programa nuclear iraniano. Mas eis que a Rússia invade a Ucrânia e tenta aliciar o Irã. Os problemas se misturaram, e tudo voltou a um lamentável impasse.

A Rússia é uma potência nuclear, e aqui não vão mais observaçõe­s do podcast com Vaez. Nas negociaçõe­s que precederam o acordo de 2015,

Moscou não teve uma parcela comparável à da Alemanha.

Mas a Rússia tende a tomar as dores do Irã por alguns motivos. Os iranianos são rivais do Iraque, que se tornou uma espécie de protetorad­o dos EUA.

Com a Guerra da Ucrânia, Moscou tende a não misturar Teerã ao eixo anti-putin que os EUA procuram construir. E Moscou nunca esteve tão distante de Israel quando entra em jogo a possibilid­ade de acreditar na sinceridad­e dos aiatolás iranianos e a necessidad­e de paz, para se contrapor ao desemprego, à inflação e ao baixo cresciment­o econômico que assolam o país persa.

Haverá um novo acordo nuclear iraniano?

Podcast da Universida­de Johns Hopkins sobre política internacio­nal, disponível em Google Podcasts. Duração: 41 min (em inglês)

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