Folha de S.Paulo

Solidaried­ade parlamenta­r

- Victoria Damasceno

Os dois últimos episódios que envolveram violações dos direitos das mulheres e culminaram em denúncias de membros da Alesp mostram que a maior parte dos parlamenta­res não se compromete com causas, mas com seus interesses.

Nesta semana, vimos Arthur do Val ser cassado e ter seus direitos políticos suspensos por oito anos após falar barbaridad­es como “são fáceis, porque elas são pobres”, a respeito das mulheres ucranianas em plena guerra. Ele já havia renunciado quando os membros da casa votaram pela cassação.

Em abril, por outro lado, vimos o deputado estadual Fernando Cury levar punição mais branda por ter apalpado a deputada Isa Penna. Foram seis meses de suspensão, enquanto a deputada pleiteava a cassação.

A diferença de tratamento entre os dois chama a atenção. Em ambos os casos, parte das deputadas mulheres atuaram para que tivessem punições duras, uma vez que os direitos das mulheres foram violados. Mas, em uma assembleia onde a maioria dos votos é masculina, bem sabemos que homens são quem definem o jogo. Por que, então, cassam um e outro não?

Seus critérios parecem se perder num misto de pressão pública, recorte social e jogo político. Enquanto no primeiro caso uma deputada brasileira, da oposição e feminista era a vítima, no segundo eram mulheres ucranianas, europeias, que fugiam de um conflito no qual o adversário (Putin) é visto como vilão por muitos.

A fala de Arthur geraria tamanha comoção caso fosse dirigida a refugiadas de países africanos? Ou mesmo brasileira­s negras, moradoras de periferia? Desconfio que não. A indignação é seletiva. Afinal, quem, em sã consciênci­a, falaria dessa forma de mulheres brancas europeias?

Não foi a defesa do direito das mulheres que determinou qual seria cada punição, foi a defesa da imagem e dos interesses. A cassação de Arthur não foi uma lição para os machistas, mas um aviso para que os deputados escolham melhor com quais mulheres vão mexer.

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